A Guerra de 1801 - 4.º parte

 

 

 

A CAMPANHA NO ALENTEJO 

A concentração 

Portugal estava preparado para a guerra que foi desencadeada em Fevereiro de 1801, ao contrário do que a historiografia sobre a Guerra de 1801 tem afirmado, baseando-se na descrição de Luz Soriano, na sua História da Guerra Civil. O governo do príncipe regente D. João não desejava a guerra, e com base na direcção política do duque de Lafões tudo tentou para a evitar e manter-se neutral, até porque não tinha o apoio das forças britânicas que tinham saído de Lisboa em Dezembro de 1800. Mas logo que foi conhecida a retirada dos embaixadores francês e espanhol, os vários governadores das armas foram avisados da notícia e receberam imediatamente ordens para concentrar as forças do seu governo nas fronteiras, de acordo com planos que lhes foram enviados, a uns mais cedo que a outros, e mais rapidamente aos generais do Norte, a região mais ameaçada, por ser a que mais perto se encontrava de França mas sobretudo por ser o objectivo declarado da aliança franco-espanhola. A primeira grande preocupação do comando foi portanto as províncias do Minho e de Trás-os-Montes.

 

Elvas

© AHM

Panorâmica de Elvas (1803)


O Alentejo não foi descurado, como é natural, e desde fins de Fevereiro mandou-se ao governador militar do Algarve, Francisco da Cunha Meneses, que enviasse dois batalhões de infantaria e um destacamento de artilharia para a província. Este destacamento comandado pelo marechal António Stuart, antigo comandante do regimento de infantaria de Tavira, chegou em meados de Março à zona de concentração no Alto Alentejo. Quando este destacamento chegou já estava estacionado entre Nisa e Portalegre uma divisão de tropas da guarnição de Lisboa, comandadas pelo marechal de campo Gomes Freire de Andrade, composto por 6 esquadrões dos três regimentos de cavalaria de Lisboa - o regimento do Cais, de Alcântara e de Mecklemburgo - e a totalidade do regimento de cavalaria de Castelo Branco, que também era conhecido como de Santarém, força de cavalaria comandada pelo brigadeiro Frederick Caldwell, dois batalhões de elite formados por companhias graduadas, granadeiros e caçadores, dos regimentos da guarnição de Lisboa, que estavam sob o comando do coronel D. Miguel Pereira Forjaz, e o regimento de infantaria de Gomes Freire. A estas forças que saíram de Lisboa a partir de 9 de Março, juntaram-se os regimentos de Setúbal, de Cascais e de Vieira Teles, a partir de dia 16. 

As tropas da Estremadura e do Algarve reuniram-se aos dois regimentos de infantaria de Olivença e aos 8 esquadrões dos regimentos de cavalaria de Moura, Évora e Olivença, que tinham sido mandados concentrar entre Arronches e Monforte em 27 de Fevereiro. O resto das forças de 1.ª linha, e todos os regimentos de milícias, estacionados no Alentejo ficaram de guarnição nas várias fortalezas fronteiriças, tendo o maior número de corpos sido concentrados nas duas fortalezas de Elvas e de Campo Maior, sendo que as praças de Castelo de Vide, de Juromenha e de Marvão tinham, para além das milícias, algumas companhias de infantaria de linha de guarnição. 

Em Lisboa ficavam, para a defender de um possível ataque das esquadras francesas que estavam concentradas em Brest e Rochefort, na Bretanha, os dois regimentos de infantaria de Lippe e de Peniche, não contando com o regimento de Lisboa, recém-criado em 27 de Fevereiro, e os seis esquadrões que restavam dos três regimentos de cavalaria da guarnição. Não era uma força numerosa para defender a costa atlântica de Peniche a Setúbal e a capital do país. 

As milícias também aqui foram chamadas a guarnecer as fortalezas costeiras e as cidades e vilas da província. Os oito regimentos de milícias da Estremadura foram chamados às armas em 8 de Março, tendo os dois regimentos de milícias do termo de Lisboa ocupado os quartéis dos regimentos da guarnição de Lisboa - o de Vieira Teles e o de Gomes Freire -, respectivamente na Graça e em Campo de Ourique. Três dias depois, em 11 de Março, foi a vez dos quatro regimentos de Ordenanças de Lisboa, que existiam desde o reinado de D. Sebastião, serem chamados a servir nesse imenso acampamento que se estava a tornar Lisboa. 

Logo que o perigo das frotas francesas desapareceu os regimentos de linha de todas as armas que se mantiveram na defesa da capital, saíram da cidade a reunir-se ao exército do Sul, o que aconteceu a partir de 10 de Maio. Ficaram ainda em Lisboa três regimentos de emigrados a soldo da Grã-Bretanha, o que restava da força que tinha estado em Portugal desde 1797, comandada pelo tenente-general Stuart. A brigada britânica era comandada pelo brigadeiro Simon Fraser, o terceiro oficial escocês com este nome que combatia em Portugal, e que o comando português, parecendo não saber muito bem o que fazer com eles, já que, sendo formado sobretudo por desertores alemães, e comandado por aristocratas franceses, ao contrário do que os nomes poderiam fazer parecer, eram mais propensos à deserção do que ao combate. Estes três regimentos - de Montemart, Castries e Loyal Emigrant - acabarão por se dirigir para o Alentejo em 18 de Maio, mas pouca acção virão, mantendo-se sempre na retaguarda para não se evaporarem devido à deserção, se colocados na primeira linha. 

As forças que se reuniram no Alentejo, e que desde 7 de Março tinham como comandante-em-chefe o general Forbes Skellater, ajudante-general do exército e inspector-geral da infantaria, general naturalizado português, que tinha comandado a divisão auxiliar enviada para o Rossilhão entre 1793 e 1795. Este exército tinha como objectivo defender a fronteira do Alto Alentejo, de Nisa a Arronches, assim como apoiar a linha de defesa definida pela linha de fortalezas Juromenha - Elvas - Campo Maior. Esta linha tanto podia ser o flanco direito do exército do Alentejo, se o exército espanhol atacasse por Valência de Alcântara em direcção a Portalegre, como a primeira linha de defesa, se o exército da Extremadura atacasse por Badajoz em direcção a Elvas e a Portalegre. 

Mas o que para o duque de Lafões e o alto-comando português era essencial era que o exército de campanha no Alentejo mantivesse a posição da Serra de São Mamede a todo o custo, já que a última coisa que se pretendia era ser obrigado a um combate e muito menos a uma batalha no Alto Alentejo. Para isso era preciso desde o primeiro momento ocupar e manter as posições de Monforte e Arronches, portas de entrada, a primeira povoação da planície que se estende até ao Gavião, e a segunda da Serra de São Mamede. Como o duque afirmava em 14 de Maio ao general Forbes "a guerra de postos e principalmente a de montanhas é a que mais nos convêm." 

O objectivo principal não era a defesa do Alentejo. O essencial era a defesa de Lisboa e por isso o duque lembrava a Forbes que os "principais desvelos devem ser impedir que o inimigo consiga efectuar a sua passagem [do rio Tejo] entre Abrantes e Valada." A dificuldade de realização do plano era saber quando seria o momento de deixar a zona de Portalegre e atravessar a planície de Flor da Rosa até ao Gavião, para se dirigir a Abrantes. Por isso, porque esta manobra era difícil e arriscada é que Forbes insistiu com o duque de Lafões e com o general Dordás Queirós, comandante das forças na Beira, para se construir uma ponte em Vila Velha de Ródão, que permitiria sair do Alentejo pelo Norte, se não fosse possível sair pelo poente. 

Luz Soriano, e os escritores que o seguem acriticamente, esquecem normalmente este pormenor, quando analisam a campanha no Alentejo. De facto, a defesa do Alentejo era vista, desde os planos de 1797, como um mero retardador da chegada das tropas espanholas à linha do Tejo. Por isso, quanto mais tempo se conseguisse manter o exército na província e sobretudo na Serra de São Mamede melhor; mas o essencial era sair do Alentejo com as forças intactas, para permitir a defesa de Lisboa. A própria ideia da defesa do Alentejo era uma modificação sensível do plano de 1797, que propunha a concentração do exército em Abrantes, como se tinha realizado em 1762 e possivelmente já em 1735. 

Quando o general Forbes chegou a Estremoz, em 21 de Março, para tomar o comando do exército estacionado no Alentejo, decidiu concentrar uma parte das forças sob o seu comando em Marvão, para observar a zona da Portagem, local por onde uma força espanhola poderia entrar em Portugal, em direcção a Portalegre, deixando a fortaleza de Marvão à sua direita. O chamado campo do Prado de Marvão estabeleceu-se sob o comando do conde de São Lourenço e foi ocupado pela recém-formada brigada de granadeiros e caçadores, que nessa altura passou a ser comandada pelo brigadeiro Bernardim Freire de Andrade. 

Em fins de Março, forças espanholas que se estavam a concentrar em Badajoz, estavam a deslocar-se para Norte em direcção a Cidade Rodrigo, com intenção, segundo parece, de se reunirem às forças francesas que se deslocavam lentamente da fronteira dos Pirinéus em direcção a Salamanca e Cidade Rodrigo. O movimento espanhol estancou num dado momento, e durante todo o mês de Abril nada se passou do outro lado da fronteira. Por isso, porque os movimentos suspeitos dos espanhóis tinham desaparecido, decidiu-se levantar o campo fronteiriço e abandonar a linha da fronteira. No dia 23 de Abril, o exército do Alentejo foi organizado em três divisões e acantonado nas povoações da província, de Nisa a Arronches, ocupando a infantaria a primeira linha e a cavalaria a retaguarda. Formado por 16 batalhões e 14 esquadrões, tinha um efectivo que rondava os 8.500 homens. 

Só na noite de 17 de Maio é que a calma foi finalmente quebrada nas fronteiras, devido a um ataque das forças espanholas aos postos avançados portugueses existentes na Serra de São Mamede. Forbes avisou imediatamente o duque do sucedido, informou-o de que não considerava que este rebate fosse anunciador de um ataque espanhol em força, mas decidiu preparar o exército sob o seu comando para o combate, e mandou avançar as forças em direcção à fronteira, transferindo o Quartel-General de Estremoz para Portalegre. Induzido em erro, pelo ataque espanhol que parece não ter sido mais do que uma clássica manobra de diversão, tentando fazer com o comandante português se preocupasse com a fronteira entre Valência e Albuquerque, e descurasse a fronteira a Sul de Campo Maior onde o ataque espanhol ia ser desferido. O comando português foi claramente enganado pelo ataque de 17, já que, quando mandou avançar o exército para mais perto da fronteira, abandonou Vila Viçosa, Assumar e Monforte que tinham guarnições de cavalaria, assim como Barbacena e Santa Eulália, ocupadas pelo 1.ª regimento de Olivença. Como muito bem notou Neves Costa, o flanco direito do exército ficava sem pontos de apoio, não tendo forças em que se amparar para fazer uma conversão à direita se fosse necessário realizar a manobra, como de facto foi. 

O exército espanhol que já há muito tempo se concentrava em Badajoz, mas vagarosamente como os objectivos dinásticos ditaram, tinha, em finais de Março e princípios de Abril, enviado forças para actuarem com os franceses na zona de Cidade Rodrigo. O apoio tinha sido recusado pelo próprio Napoleão Bonaparte que queria que a divisão francesa combatesse sozinha na fronteira da Beira. Tendo regressado a Badajoz, em princípios de Maio, foram estas forças que atacaram os postos portugueses na fronteira.


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