A Verdadeira entrada dos protectores
em
Lisboa, em 30 de Novembro de 1807 |
LEGIÃO PORTUGUESA AO SERVIÇO DE NAPOLEÃO INTRODUÇÃO Pelo tratado de Fontainebleau, assinado por Duroc, em nome de
Napoleão, e por Eugenio Isquierdo, representante de Carlos IV de
Espanha, em 29 de Outubro de 1807, dividia-se Portugal em três partes
das quais a Lusitânia Setentrional, compreendendo as províncias
de Entre-Douro-e-Minho, era dada à infanta de Espanha, destronada da
Toscânia, o Principado dos Algarves, composto. das províncias do
Alentejo e do Algarve, seria o prémio que o príncipe da Paz ganharia
pela sua anuência às vontades de Napoleão. O centro do País ficaria
nas mãos dos franceses, podendo, por ocasião da paz geral, ser
entregue à casa de Bragança. Para fazer executar estas determinações
do omnipotente imperador dos franceses, um exército de vinte e tantos
mil homens, comandado pelo general Junot, pôs-se em marcha para
Portugal. E assim a nação que conquistara o melhor do seu território
impelindo adiante da rutila espada os muçulmanos invasores da península,
que firmara a sua independência em batalhas homéricas como a de
Aljubarrota, em combates gloriosos como o das Linhas de Elvas ia ser
ignobilmente retalhada ao aceno dum homem, e porquê? Porque de séculos
aliada à Inglaterra, que depois da restauração bragantina adquirira
sobre o governo do país uma poderosa influência, não podia coadjuvar
Napoleão no seu extraordinário sonho do bloqueio continental. Fechar
os nossos portos à Inglaterra era impossível; todavia o pusilânime príncipe
regente D. João, temendo as iras do orgulhoso conquistador, resolveu
iludi-lo, fingindo hostilizar os ingleses. Napoleão, porém, não se
iludia facilmente, e a notícia do tratado de Fontainebleau rebentou
como uma bomba no meio da corte portuguesa. Que fazer? O natural seria exigir o auxílio dessa Inglaterra
por causa de quem tentavam sacrificar-nos e dispor enérgica e
rapidamente todas as forças do país para a resistência. Pois não. O príncipe regente, aconselhado pelo seus amigos
ingleses, que por este passo veriam abrir-se ao seu comércio os nossos
magníficos portos da América, embarcou acompanhado pela família real
nos navios da esquadra portuguesa, surtos no Tejo, e fugiu para o
Brasil. Numa proclamação em que anunciava a sua partida recomendava
ao povo que recebesse os franceses como amigos. Embarcou a 27 de Novembro, seguido pela corte e por alguma
tropa, levando tudo quanto de precioso os navios podiam comportar. O
povo, numa desolação, chorava e D. João chorava também. Era um pobre
homem, que teria sido beatificamente um gordo frade ou um pachorrento cónego,
mas a quem de modo algum podia competir o governo duma nação, e ainda
menos em hora de grave perigo. No dia 30 de Novembro entravam em Lisboa, esfarrapados,
desarmados, exaustos de fome e da fadiga da violenta marcha, os
primeiros regimentos do exército do general Junot. Vinha o restante das forças ainda a caminho pelas estradas
da Beira e da Estremadura. O audacioso general não hesitara em entrar
com um punhado de homens, meio inutilizados, numa cidade populosa; o seu
fim era alcançar ainda o príncipe regente, cuja rápida fuga,
transtornando os planos de Napoleão, lhe causou viva contrariedade.
Apesar deste malogro, Napoleão gratificou o seu general pelo arrojado
cometimento com o título de duque de Abrantes, e passou a tratar da
consolidação da sua conquista. No dia 1 de Fevereiro de 1808 fazia Junot sair a seguinte
proclamação: «Habitantes do Reino de Portugal «Os vossos interesses chamaram a atenção de S. M. o
Imperador, nosso augusto amo; toda a irresolução deve cessar; a sorte
de Portugal está fixada, segura a sua felicidade, pois que Napoleão o
toma sob a sua omnipotente protecção. «O príncipe do Brasil, abandonando Portugal renunciou a
todos os seus direitos à soberania deste reino. A casa de Bragança
cessou de reinar em Portugal. O Imperador Napoleão quer que este belo
país seja administrado e governado todo inteiro em seu nome, e pelo
general em chefe do seu exército ... » Junot considerava-se senhor do país, tão calado, no seu
assombro, via o povo, e tão baixamente servil era a adulação com que
o incensavam os prelados e a regência. Nas classes ilustradas, aqueles
que já sonhavam um regime de liberdade, viam com olhos de simpatia os
franceses, representantes desses princípios que a revolução de 1789
confirmara, e de que eles desejavam obter para o seu país a benéfica
influência. Mas se Junot era um bravo soldado, não era um hábil político,
nem possuiu inteligência à altura de poder desempenhar cabalmente a
missão que lhe incumbiam, de dominar Portugal. As medidas que tomou, em
breve mostraram aos portugueses que estavam longe de serem tratados como
amigos. Ao ser no dia 13 de Dezembro de 1807 arriada a bandeira nacional
do Castelo de S. Jorge e erguida solenemente a francesa, um frémito de
indignação percorreu a alma popular, e ateou nela o começo desse fogo
da insurreição que tão funesta havia de tornar-se para a fortuna de
Bonaparte. O Imperador previa o perigo dessa insurreição e, em 12 de
Novembro, mandando a Junot instruções sobre a marcha e operações em
Portugal, recomendava-lhe essencialmente que desarmasse e licenciasse o
exército português. «Podeis 1 mesmo reunir um corpo de cinco a seis mil homens do exército
português, oficiais e soldados, fazendo-os marchar por colunas de 1.000 homens para França, declarando-lhe, que os tomo ao meu
serviço; fazei-os ajuramentar.» A 20 de Novembro recomendava-lhe: «Não vos demoreis 2 um instante em desfazer-vos do exército português; o que
será fácil no primeiro mês tornar-se-á difícil depois. Que parta
imediatamente logo que tenha prestado juramento. Fazei-o dirigir em
batalhões para Baiona ... Foi em virtude destas ordens terminantes de Napoleão que
Junot, desarmando e licenciando os restantes, apurou a flor dos nossos
oficiais e soldados, reunindo-os numa pequena divisão, ao comando do
marquês de Alorna, e que, sob o nome de Legião Portuguesa, passou a
fazer parte dos exércitos imperiais. É em breves palavras, a história desses bravos soldados,
que tanto ilustraram a fama do valor e da lealdade portuguesa, que vou
narrar. Em quanto seus irmãos se engrandeciam lutando desesperadamente
pela libertação do seu país invadido, eles arrastados pelas contingências
da política para terras longínquas, fraternizando no campo da batalha
com o povo que em Portugal teriam de considerar inimigo, electrizados
pela influência que a deslumbrante epopeia de Napoleão exercia em
todos os espíritos, ganharam louros de glória ao lado dos valentes de
Wagram e de Moscova, sofreram com estes os horrores da trágica
retirada, e dizimados voltaram em mínima falange à pátria, que
primeiro os acolheu desconfiada, e mais tarde lhe agradeceu o terem
sabido sustentar nobremente a honra do nome português. Servir-me-ão de guia as memórias dos legionários Teotónio
Banha e José Garcez, apoiando-me na magnífica colecção de documentos
que me proporcionou o interessante livro sobre a Legião Portuguesa, do
ilustre comandante francês M. P. Boppe.
Notas: 1.
Correspondência de Napoleão. Consultada por M. Boppe nos seus
estudos sobre a Legião Portuguesa. 3. As imagens aqui descritas foram substituídas, nesta edição, pelas aguarelas que o autor realizou com bases nelas. |
Fonte: Ribeiro Artur, A ver também:
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