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Oficial do Estado-Maior da Legião Portuguesa |
LEGIÃO PORTUGUESA AO SERVIÇO DE NAPOLEÃO DE LISBOA A GRENOBLE (1808 A 1809).
Para dar cumprimento ás ordens de Napoleão, Junot decretara que os vinte e quatro regimentos de infantaria portuguesa fossem reduzidos a seis, dos quais o primeiro seria composto com os restos da guarnição de Lisboa. A cavalaria foi reduzida de doze a três regimentos, recebendo, assim como a infantaria, organização francesa. Só deviam conservar a organização portuguesa a artilharia e engenharia existentes. Facultavam-se baixas a todos os soldados que tivessem menos dum ano de serviço, a todos os soldados casados, e demitiram-se ou reformaram-se os oficiais incapazes de serviço. O marquês de Alorna, comandante em chefe do exército, tinha sido encarregado desta operação, mas como a brevidade requerida lhe não permitia dirigi-la toda pessoalmente, teve que delegar a sua autoridade em indivíduos da escolha de Junot, e estes tiveram instruções secretas relativamente à demissão dos oficiais. Por esta organização foram nomeados comandantes das forças portuguesas o marquês de Alorna, D. Pedro de Almeida; Gomes Freire, segundo comandante; chefe de estado-maior general, Manuel Inácio Martins Pamplona; D. José Carcome Lobo, comandante da 1.ª Divisão, e João de Brito Mosinho da 2.ª. Para subchefes do estado-maior Marino Miguel Franzini e Manuel de Castro Pereira de Mesquita. Entre os ajudantes de campo do general comandante estava Carlos Frederico Lecor, que conseguiu evadir-se para Inglaterra, onde foi o principal organizador da Leal Legião Lusitana que, sob o comando do coronel inglês Wilson, prestou importantes serviços na guerra peninsular. Eram coronéis de cavalaria o marquês de Loulé, Roberto Inácio Ferreira de Aguiar e Álvaro Xavier de Póvoas, que não saiu de Lisboa porque o seu regimento não chegou a organizar-se. Da infantaria eram coronéis: Saldanha e Albuquerque, o marquês de Ponte de Lima, Francisco António Freire Pego, o conde de S. Miguel, José de Vasconcelos e Sá, e Francisco Ferrari. Com os restos de vários regimentos formou-se um esquadrão de caçadores a cavalo, comandado por D. João de Melo e um batalhão de caçadores a pé, comandado por Francisco Cláudio Blanc. As reduções, começadas em Fevereiro de 1808, não estavam ainda completas quando Junot mandou que, em princípio de Abril, as tropas marchassem para Salamanca e daí para Valladolid. Marcharam os soldados num estado deplorável de arranjo, fardas de todos os feitios e de todas as cores, parecendo mais um bando de guerrilheiros estropiados do que soldados de linha. O marquês de Alorna alcançara licença de ir ao Alentejo antes da partida, e Gomes Freire obteve também a demora precisa para tratar dos seus negócios, sendo, portanto, o marechal Pamplona, quem dirigiu as primeiras marchas das forças expedicionárias, missão penosa e de árdua fadiga. Durante a marcha desertou mais de metade do terceiro regimento de infantaria, uns trezentos soldados, que, reunidos em corpo, pela estrada de Cidade-Rodrigo, voltaram tranquilamente para Portugal. Em Cidade-Rodrigo o marquês de Alorna, veio juntar-se ao estado-maior general, e seguindo entraram a 16 de Abril em Salamanca. De Salamanca marcharam as tropas portuguesas para Valladolid e daí para Burgos, onde chegaram no dia 29, indo, depois de lhe ser passada revista pelo marechal Bessières, para o acantonamento de Briviesca, onde estiveram oito dias. O duque de Istria ficou agradado dos nossos soldados e manifestou-lho. Recebeu o general e o seu estado-maior com grandes atenções, dizendo-lhe honrosas palavras sobre Portugal e convidou-os para jantar. Todos ficaram satisfeitos com este primeiro acolhimento francês, apenas o orgulho fidalgo do marquês de Alorna encarara com sobranceira desconfiança a recente nobreza do marechal do Império. Alguns oficiais receberam guia para voltarem a Portugal a ocupar-se do serviço de recrutamento ordenado para preencher as faltas dos corpos, devendo regressar à legião com os recrutas apurados; mas não puderam voltar a França por serem colhidos já pela insurreição do país, que os maltratou. Cabe aqui um período das memórias de José Garcez, que nos elucida sobre o que a este tempo pensava a maioria dos oficiais da Legião. «Entre os decretos que Junot tinha publicado em Portugal um deles era o do recrutamento e fora ele um motivo assaz poderoso para fazer decidir a muitos dentre nós a servir os franceses. Naquela época ninguém podia imaginar a queda deles na península, nem que Junot seria em tão pouco tempo obrigado a evacuar Portugal, porque se via a Espanha ocupada por um exército daquela nação, bem comandado e aguerrido, não se conhecendo de modo algum sinal de insurreição naquele país; portanto pensando cada um que já tinha postos no exército e idade de servir, que, se não marchasse como oficial, dando baixa, podia depois ir como recruta e soldado, a razão e o bom senso fez com que muitos oficiais partissem a servir, contra sua vontade, uma nação que não era a sua, longe dos lares em que tinham nascido.» O marquês de Alorna, adoecendo gravemente, teve de ficar em Burgos, e Pamplona retomou o comando das tropas, que receberam ordem de seguir para Baiona, onde então se achava Napoleão, e onde melhor poderiam prover-se de armamento e uniformes. Nos dias 12 e 13 de Maio estacionou o quartel-general em Miranda do Ebro. No dia 14 chegava a Legião a Vitória, depois de trabalhosa marcha por ásperos caminhos. A 22 chegou a Tolosa, onde demorou até 24, a 29 atravessaram as tropas o Bidassoa em pontes de barcos, e no dia 1 de Junho passava Napoleão a primeira revista a regimentos portugueses. Notando defeitos na ordenança, uniforme e equipamento dos nossos soldados, agradou-lhe o seu ar garboso. Deu ordem para que lhes fosse dada refeição em comum com a guarda imperial. Tratou com fina amabilidade os oficiais e ofereceu-lhes um jantar. A magnificência da corte imperial impressionou vivamente os portugueses, e os soldados, que receavam ser maltratados e até desarmados, estavam contentíssimos. Essa primeira noite passada no solo da França a levaram cantando e dançando, ao som da viola e da guitarra, modas nacionais, que divertiram agradavelmente a Imperatriz Josefina. Foram o primeiro, segundo e terceiro regimentos de infantaria, os dois de cavalaria e o regimento de caçadores a cavalo, que primeiramente entraram na Franca. Em carta de 6 de Maio dizia o Imperador a Bessières 1 «Se tendes confiança nos soldados portugueses, talvez façais bem em demorar a sua marcha; porque na verdade, se os sargentos são bons, essas tropas vêm a servir-nos milagrosamente ...». Com a data de 12 escrevia novamente Napoleão a Bessières uma carta em que se encontram os seguintes períodos: «Deixai o regimento de caçadores a cavalo no lugar em que se encontra, entre Valladolid e Burgos e dai ordem ao quarto e quinto regimentos de infantaria e ao de cavalaria para se reunirem em Valladollid. Encarregai um general português de se conservar entre Valladolid e Burgos para proteger os meus doentes de Valladolid ...». «...Dois mil homens sob as ordens do general Brito Mosinho devem ficar acantonados entre Valladolid e Burgos ...» «O general Verdier ficará em Vitória ... reunirá a si o primeiro, segundo e terceiro regimentos portugueses ...» «À mais pequena inquietação que vos sobrevenha da Galiza, Salamanca e Valladolid atraí a vós a brigada do general Sabatier, que fareis substituir em Tolosa pela brigada portuguesa do general Carcome Lobo, composta do primeiro, segundo e terceiro regimentos de infantaria ... » Vê-se pois que as informações de Bessières tinham resolvido Napoleão a empregar utilmente os nossos soldados ainda em marcha.
O marquês de Alorna ficou comandante da Legião. Deu-se a Pamplona o comando da brigada de cavalaria, e das brigadas de infantaria a D. José Carcome e Brito Mosinho. Ficou um só chefe de estado-maior em toda a Legião e um só quartel mestre. Deu-se o primeiro posto ao brigadeiro D. Manuel de Sousa, para o segundo requisitou-se ao ministro da guerra um oficial francês inteligente, por não haver na legião nenhum que tivesse bastantes noções da contabilidade francesa que lhe permitissem exercê-lo. Ocupou este lugar Mr. Dosrays. O conselho geral da administração era presidido pelo general comandante e composto dos dois majores generais, de dois capitães, um de infantaria, outro de cavalaria, encarregados do vestuário, armamento e equipamento das tropas; do quartel mestre da Legião e dum comissário de guerra como secretário. As notícias, chegadas a Baiona, da derrota do general Lefebvre-Desnouëttes em Saragoça e dos movimentos de Bilbau, determinaram Napoleão a mandar retrogradar a segunda divisão portuguesa para Vitória, afim de poder dispor da guarnição desta cidade. Pamplona recebeu a 4 de Junho ordem de marchar imediatamente a comandá-la, substituindo Brito Mosinho, pela impossibilidade que este general tinha de sustentar a correspondência em francês com o major general, o que era indispensável neste comando. Foi Berthier quem transmitiu a Pamplona as ordens de Napoleão, que o mandava ao encontro dos regimentos portugueses, ainda em marcha para Baiona, devendo, fornecer-lhes cartuchos e fazê-los retrogradar para Vitória, onde ficariam às ordens do general Verdier. Pamplona, de acordo com Verdier, pôs à disposição deste general o quinto regimento e o batalhão de caçadores, tomando o comando do quarto regimento. Brito Mosinho já septuagenário voltou a Baiona, não tornando a servir. A guarnição de Vitória compunha-se de uns seis mil homens, entre portugueses e franceses, comandados por Pamplona. O comando da praça era trabalhoso. As notícias do alastramento da insurreição espanhola vinham chegando a cada momento, e Pamplona recebia e tinha de enviar inúmeros despachos. A 15 de Junho chegou a Pamplona o rumor de que a revolta ia rebentar mesmo em Vitória, o que o obrigava a redobrar de vigilância e energia. A 21 de Junho recebeu o general português ordem de marchar para Saragoça, deixando um dos seus regimentos de guarnição em Vitória. Ficou o quatro de infantaria. Tinham marchado o quinto e o batalhão de caçadores ria força de mil e oito centos homens. Partindo a 23, chegaram a Logroño no dia 25, e nesse mesmo dia chegou também a Logroño o general Gomes Freire, com o seu ajudante o visconde de Asseca, autorizado pelo marechal Bessières a tomar o comando das forças portuguesas destinadas contra Saragoça. Pamplona voltou para Vitória com os oficiais de estado-maior. Gomes Freire marchou para Saragoça, onde lhe foi confiado o comando da divisão do centro, que constava de quatro mil homens entre portugueses e franceses. Gomes Freire, que havia alcançado de Junot licença para demorar-se uns dias em Portugal, fora feito prisioneiro pelos espanhóis em Tordesillas, quando marchava ao encontro da Legião. Foi salvo pelas tropas francesas por ocasião da tomada de Valladolid, e auxiliara-o também na sua fuga da prisão, como nos conta Garcez, um grande hábito de Cristo que trazia pendurado ao pescoço; os guardas da prisão, vendo-lhe esta insígnia tomaram-no por um bispo, deixando-o passar. Apresentando-se depois ao marechal Bessières e sabendo que ia tropa portuguesa para Saragoça reclamou para si o comando, como general de divisão. Este primeiro cerco de Saragoça durou desde 2 de Julho até 13 de Agosto, dia em que os sitiados receberam consideráveis reforços, e o general Verdier, depois dum forte bombardeio, levantou o cerco incendiando o acampamento. As forças de Verdier compunham-se de quinze mil homens e perderam quatro mil entre mortos e feridos, entrando nesse número trezentos portugueses, sendo dois oficiais, o major António Macedo e o tenente Magini. As tropas marcharam a tomar posição na margem do Ebro, junto à praça forte de Tudela, e Gomes Freire recebeu ordem de ir a Paris. Na marcha de Vitória para Logroño desertaram muitos soldados e alguns oficiais do quinto regimento a instâncias dos patriotas de Bilbau, onde se refugiaram e na noite de 21 desertaram todos os soldados do quarto de infantaria que estavam de guarda, perdendo o regimento perto de quatro centos homens. Pamplona recebeu ordem de marcha com o resto do regimento para Baiona. Foi em princípios de Janeiro de 1809 que deram entrada em França as tropas que estiveram no assédio de Saragoça. Ainda muitas deserções de oficiais e soldados. se realizaram; esqueciam o juramento prestado à bandeira francesa, na ânsia de voltar à pátria a combater por ela. O marquês de Alorna ficara doente em Burgos, mas parece que as informações de Bessières o não tinham acreditado muito ante Napoleão; o Imperador falando com Pamplona, por ocasião da chegada a Baiona do estado-maior da Legião, perguntou-lhe de repente: «Não seria melhor que o marquês, visto achar-se mal de saúde, regressasse a Portugal a procurar nos ares pátrios o restabelecimento?». Pamplona respondeu ao Imperador, com lealdade, que sendo Alorna muito estimado pelas suas tropas, não seria conveniente afastá-lo. Todavia o marquês, quando, já restabelecido, nos fins de Junho chegou a Baiona, encontrou uma fria recepção. O general Muller, inspector de infantaria, foi encarregado de organizar, à francesa, a infantaria da Legião, e igual missão recebia o general Paris d’Illins para com a cavalaria. Nestes trabalhos de organização e no da escolha e determinação dos uniformes passou o mês de Julho. João de Brito Mosinho, e outros catorze oficiais, alguns dos quais tinham mais de quarenta anos de serviço, receberam permissão de retirarem para Portugal. Por carta do ministro da guerra de 2 de Junho, anunciando a decisão do Imperador, com data de 12, teve a Legião conhecimento de que para o soldo e para as massas seria equiparada a infantaria à infantaria ligeira francesa e a cavalaria a caçadores a cavalo. Com a mesma data chegava a determinação do plano de uniformes, tal como se segue: «Para a infantaria»: «Farda curta de pano castanho escuro, com bandas quadradas, abotoando até à cintura; algibeiras ao comprido; bandas, golas e canhões vermelhos; forro branco; botões brancos, com a seguinte legenda em volta: Legião Portuguesa e ao meio o número do regimento». «Colete de pano branco, com pequenos botões iguais aos da farda». «Pantalonas de malha castanho escuro, com meia polaina». «Barretina igual à que uma parte das tropas portuguesas usa actualmente». «Para a cavalaria»: «Farda de patino castanho escuro, tendo o mesmo corte que a dos caçadores a cavalo; gola e canhões vermelhos; algibeiras ao comprido e botões brancos». «Veste de patino branco, com botões pequenos brancos; calções à húngara de malha castanho escuro com listas brancas». «Capa castanho escuro». «Na cabeça o capacete de couro guarnecido de pele de urso tal como a maioria das tropas portuguesas o usa actualmente». «Os distintivos para os oficiais duma e outra arma serão em branco».
Os inspectores Muller e Illins julgaram-se investidos do absoluto comando da infantaria e da cavalaria da Legião, o que obrigou o marquês de Alorna, justamente sentido, a reclamar os direitos da sua legal nomeação de comandante em chefe das tropas portuguesas; reclamação que foi devidamente atendida. Continuava activo o trabalho da reorganização e instrução das tropas, os oficiais entregavam-se-lhe de boa vontade e os soldados, pagos em dia, vestidos e calçados, tomavam excelente aspecto e todos estavam persuadidos de que passariam o Inverno naqueles quartéis; mas a deserção do espanhol marquês de La Romana e das suas tropas fizera antever a Napoleão o perigo da deserção dos portugueses, tão próximos da Espanha insurreccionada, e, com data de 6 de Agosto Berthier escrevia a Clarke, ministro da guerra, dando-lhe, em nome da imperador, ordem para que a infantaria portuguesa. partisse para Grenoble e a cavalaria para Avignon. Chegou a ordem no dia 13 e nesse mesmo dia se puseram as tropas em movimento. No dia 20 estavam em Carcassone, no dia 27 em Montpellier. Parece que o marquês de Alorna pensara nesta cidade em desertar com a sua Legião. É provável que as tropas portuguesas tivesse chegado a notícia da insurreição do seu país e, apesar de Napoleão exercer em muitos dos legionários o seu fascinante prestígio, a voz da pátria devia ecoar em todos os corações. A aproximação de navios ingleses e a tentativa de desembarque efectuada por eles em portos vizinhos, podia sugestionar a imitação de La Romana; mas este fugira estando na Dinamarca, e Montpellier era na França; o comandante dos portos, Lacombe, teve o cuidado de protestar diante de oficiais portugueses que os ingleses nunca ali desembarcariam. A fuga pela Catalunha era dum arrojo quimérico; uns poucos de mil homens, estrangeiros, uniformizados, atravessarem trinta e cinco léguas, sem serem perseguidos, tendo de sustentar-se à custa do país. Que seja ou não verdade ter Alorna tentado realizar a deserção das suas tropas, e que, sendo-o, ela se não realizasse por absoluta impossibilidade, ou pela irresolução dalguns, o que é facto é que a Legião continuou a sua marcha e no dia 31 pernoitaram os portugueses em Nimes, chegando no dia 2 de Setembro a Ayignon. Aqui a cavalaria recebeu ordem de seguir para Gray. Em Valence, no dia 9, depois do marquês ter passado revista à Legião, a infantaria e a cavalaria despediram-se, seguindo Pamplona com a sua brigada, que chegou a Lyon a 12 de Setembro e em 18 a Poligny, onde de mau grado recebeu nas suas fileiras alguns prisioneiros espanhóis, que haviam pedido para servir no exército francês. Conta Garcez que destes dois oficiais se vieram a matar num trágico duelo à cuchilla, por motivos amorosos, com grande espanto da gente de Gray. A 22 chegou a cavalaria portuguesa a esta cidade onde se aquartelou. José Garcez conta divertidamente o susto que a vista da cavalaria portuguesa causou aos habitantes, postos em fuga da estrada onde. tinham ido esperá-la. «Todos julgavam ver em nós um rebanho de bárbaros do Cáucaso, na verdade. a cor dos nossos, sendo um pouco trigueira, com a marcha continua de quase seis meses debaixo dum sol ardente principalmente depois que deixamos Auch e atravessámos o sul da França, os nossos soldados pareciam pretos; além disso as nossas caras carrancudas contrastavam com as dos franceses sorridentes, tínhamos um certo ar de arreganho que fez com que o baixo povo nos tomasse por antropófagos.» Apesar desta primeira impressão à chegada o Inverno foi passado alegremente pela nossa Legião e os oficiais portugueses, em grande número pertencentes a famílias distintas, receberam dos habitantes de Gray e subúrbios o mais gracioso acolhimento. «Logo depois da instalação começou 2 a tratar-se dos uniformes, decidindo-se que a cor do pano seria a parda, tendo as fardas; canhões, gola e forro encarnados; para serviço interior um jaleco branco; as calças da mesma cor da farda tinham uma lista vermelha; substituíram-se os capacetes por shakos [barretinas], em suma foram uniformizados analogamente aos caçadores a cavalo franceses. Distribuiu-se armamento igual ao de toda a cavalaria francesa.» Um conselho administrativo foi criado particularmente para a Legião, devendo fazer parte dele, com o título de majores generais, para a cavalaria, em Gray, o major de Jumilhac e para infantaria, em Grenoble o major de Cathelin. A este tempo tinha sido Junot obrigado a evacuar Portugal. Wellington começara a sua luta com Napoleão, e o Vimeiro fora o seu feliz início. Assinara-se a Convenção de Sintra, e os nossos antigos e aliados esqueceram-se de exigir nela a repatriação dos milhares de soldados portugueses, que andavam sujeitos ao serviço das ambições de Bonaparte. Todavia essa flor das nossas tropas prestaria importantes serviços aos próprios ingleses, que da coadjuvação dos nossos soldados tiraram os melhores resultados não só em Portugal mas em toda a península. A Legião Portuguesa continha porém oficiais que os ingleses desejavam longe. Gomes Freire, o ilustre batalhador, que em 1801 salvara a honra nacional, que no Rossilhão tinha envergonhado a inépcia de alguns generais da península, que nos exércitos de Catarina da Rússia, onde o seu génio aventureiro o levara, se havia com a sua espada cercado duma auréola que cegara a altiva soberana, Gomes Freire, não convinha em Portugal aos ingleses. Não lhes convinha tão pouco o decidido e livre Pamplona, nem a influência que a autoridade de Alorna exercia nas tropas; não lhes convinha também a oficialidade da Legião, nobre pela maior parte, influente, e demais iluminada já pela irradiação com que deslumbrava a liberdade em França. Os ingleses queriam um Portugal aterrado pelas violências da invasão, desnorteado, sem guias seguras, que se lhe lançasse cegamente nos braços e lhe aceitasse sem condições. o domínio. Foi este o motivo porque a Legião Portuguesa ficou esquecida em França; os ineptos governadores do Reino, relíquias da corte burlesca de D. Maria I, também temiam esses homens. Napoleão soube logo apreciar o que valiam tais soldados e durante anos os tratou como se fossem franceses; a França tornou-se para eles uma pátria adoptiva; em Portugal só podiam ver a Inglaterra. Alguns porém saudosos das suas famílias; sentiram tamanho pesar ao perder a esperança de serem repatriados, que adoeceram e morreram. Um destes foi o chefe de batalhão Júlio Francisco Torres. A 13 de Novembro teve a Legião, pelo Monitor, conhecimento da Convenção que a abandonava; a infantaria tinha o primeiro regimento em Valença do Delfinado, o segundo e terceiro estavam com o estado-maior em Grenoble. Em Janeiro de 1809 chegavam as forças de Saragoça e Gomes Freire veio também de Paris para Grenoble. O general Muller tinha vindo completar a organização da infantaria e estado maior da Legião, de que ficaram sempre, primeiro e segundo comandante, Alorna e Gomes Freire, embora o comando de Alorna fosse daí em diante apenas honorífico, porque o verdadeiro comando passou a ser exercido pelo inspector Muller, e pelo comandante da sexta divisão La Vallete. Alorna foi para Paris e daí mandado para Espanha, reunir-se a Soult, indo depois para o quartel-general de José Bonaparte, e não voltando à Legião senão em 1812. Notas: 1. Correspondência de Napoleão. 2. Estudo histórico baseado nos escriptos de José Garcez Pinto Madureira, por Bento da França.
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Fonte: Ribeiro Artur, A ver também:
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