A evolução das Ordenanças

5.ª parte

 

As Ordenanças de 1801 a 1810

 

Em 1801 durante a preparação para a Guerra de Espanha, que ficará conhecida em Espanha pelo nome jocoso de "Guerra das Laranjas", deu-se uma significativa alteração na utilização das Ordenanças. Por ordem do duque de Lafões vão ser levantadas na província de Trás-os-Montes, pelo então coronel do Regimento de Cavalaria de Chaves, Manuel Inácio Pamplona Côrte-Real, futuro conde de Sub-Serra, duas companhias de Voluntários Reais do Monte e seis companhias francas recrutadas nas Ordenanças, com as quais se criou o Corpo de Voluntários Pagos de Trás-os-Montes.

 

D. João VI

© Palacio Nacional de Queluz

As virtudes de D. João VI

 

As duas primeiras companhias serão comandadas por oficiais das Ordenanças, as outras por oficiais subalternos, havendo algumas comandadas por cadetes, dos regimentos regulares de Trás-os-Montes. Na Beira D. Pedro de Almeida, marquês de Alorna, também dirigirá o levantamento de um corpo de voluntários, que será composto de nove companhias. São de facto os dois primeiros batalhões de caçadores do exército português, sendo a aplicação, pelo duque de Lafões e pelos oficiais mais próximos de si, das ideias de Frederico II da Prússia, que defendia a criação em tempo de guerra de unidades de voluntários para realizarem a guerra de postos, ou como se dizia em francês – a petite guerre –, ou ainda como vai ser mais conhecida, na sua tradução espanhola, a guerrilla. Em Portugal, como o próprio nome das companhias indica, e vinha claramente expresso nas instruções do duque aos generais como base da tática a utilizar na campanha, este tipo de guerra será conhecido por "guerra de montanhas".

A campanha no norte de Portugal em 1801 tem sido pouco estudada, e a utilização destes voluntários das Ordenanças também. Mas a sua organização deve ter sido considerada uma experiência positiva, pois a Comissão Militar para a reforma do Exército, criada logo a seguir à guerra em dezembro de 1801, vai integrar a ideia da criação destes corpos de voluntários na proposta final de reorganização das Ordenanças de 1801, publicada em 1803 como Regulamento Provisional para as Ordenanças do Reino, e do Algarve por ordem de D. João de Almeida de Melo e Castro, e que se tentou começar a aplicar a partir de outubro de 1807.

Uma prova mais do êxito da experiência foi-nos dada em Junho de 1808, quando na proclamação da restauração em Vila Real, na início das revoltas contra a ocupação francesa em todo o país, o tenente-coronel Francisco da Silveira, futuro conde de Amarante, oficial do Regimento de Cavalaria n.º 9, o antigo Regimento de Cavalaria de Chaves, e anteriormente de Dragões, mandou reorganizar a Companhia de Caçadores Voluntários de Vila Real, dando-lhe o mesmo comandante de 1801. Deste corpo, que irá dar origem ao 3.º Batalhão de Caçadores, sabemos a sua constituição formal, mas temos a prova da reorganização de outros corpos na Beira, como já se viu.

Mas temos a prova mais substancial da sua reorganização na facilidade com que membros das Ordenanças foram preparados para combaterem a coluna francesa comandada pelo general Loison, que de Almeida se dirigia para o Porto em junho de 1808, derrotando-a em Mesão Frio, utilizando táticas típicas dos corpos francos; táticas de combate disperso – de atiradores, ou caçadores – ensinadas, com toda a certeza, em 1801.

Esta organização das Ordenanças, em tempo de guerra, em corpos de voluntários passou a ser política oficial da monarquia em relação às Ordenanças, em finais de 1807, com o alvará de 21 de outubro de 1807, um dos últimos diplomas legais assinados pelo príncipe regente D. João, antes de se transferir para o Rio de Janeiro. Este decreto parece que não foi promulgado como parece poder deduzir-se do ofício dos governadores do Reino para o príncipe regente, de 31 de maio de 1809, em que se fala "do novo arranjamento que se projetava dar às ordenanças" [destaque meu] antes da partida da Casa Real para o Brasil. Na verdade, criaram-se no Alentejo durante a revolta de 1808 vários corpos de voluntários, o que, dadas as condicionantes das comunicações daquele tempo, não devem ter podido ser coordenados com a reorganização dos voluntários de Trás-os-Montes.

Em novembro de 1807, o marquês de Alorna, governador das Armas do Alentejo, deu ordens, segundo Acúrcio das Neves, ao então coronel do Regimento de Milícias do Crato, Jorge de Avilez, para levantar um corpo de voluntários, o que era exatamente aquilo que tinha feito em 1801 quando estava na Beira. Essa ordem, que deve ter dado origem à passagem de uma carta régia, como tinha sido realizado sete anos antes, não foi posta em prática nesse ano. Mas esta ideia foi recuperada em 1808, quando o coronel Avilez organizou o Batalhão de Voluntários de Portalegre, com autorização da Junta Governativa de Portalegre. Este corpo irá dar origem ao Batalhão de Caçadores n.º 1. Ao mesmo tempo, o magistrado João José Mascarenhas de Azevedo e Silva, corregedor de Beja, organizou uma Legião Transtagana em Beja, da mesma forma. Este corpo irá dar origem aos batalhões de Caçadores números 2 e 5. É natural que esta mudança de política em relação às Ordenanças fosse bem conhecida pelos oficiais e magistrados portugueses, mesmo que não tivesse sido explicitamente oficializada, já que o livro sobre a A Organização Provisional das Ordenanças tinha tido uma tiragem de dois ou três mil exemplares, o que era, qualquer que fosse o valor real da tiragem, um número elevado para a época, e que permitia a sua divulgação por um número elevado de oficiais e funcionários régios.

Em 21 de outubro, o alvará que definia os limites geográficos dos sete Governos Militares, determinava também que o país fosse dividido em vinte e quatro brigadas de Ordenanças, uma para cada regimento de infantaria. Tentava-se acabar assim com a organização de 1764, do tempo do conde de Lippe, que tinha dividido o país em distritos regimentais, um por cada regimento de infantaria, cavalaria e artilharia, num total de quarenta e cinco – vinte e seis regimentos de infantaria, dois regimentos da Armada, doze regimentos de cavalaria, quatro de artilharia e um corpo de tropas ligeiras, os Voluntários Reais. A mudança no número de regimentos que cada província tinha por obrigação completar é muito sensível, e está de acordo com o conhecimento da realidade da distribuição espacial da população no país, devido aos "numeramentos" realizados em 1798 e 1801.

Assim, a partir daquela data, as brigadas deveriam ser distribuídas desta maneira:

 

Província

1807

1764

1809
  Reg.Inf. Reg. Reg.Inf. RI BC RC RA
Algarve

1

3

2 2 0 0 1

Alentejo

2

14

9 2 0 2 1
Beira 

5

5

 2 5* 3 2 0
Estremadura 

6

12 6 7 0 4 1

Partido do Porto 

4

3

2 4 0 1 0
Minho 

4

2

2 3 1 1 1
Trás-os-Montes

2

6

3 2 2 2 0

Total:

24

45

26 25 6 12 4

Nota: Inclui a Leal Legião Lusitana.

RI / Reg.Inf. - Regimento de.Infantaria
BC - Batalhão de caçadores
RC - Regimento de Cavalaria
RA - Regimento de Artilharia


Esta reforma só será aplicada parcialmente. A invasão francesa de Junot, não permitiu aplicá-la, e em setembro de 1808, com a urgência de recrutar o exército não houve tempo, nem de certeza vontade, de inovar. Mas em 1809, com a criação dos depósitos de recrutas (alvará de 15 de dezembro de 1809), estabeleceu-se uma organização que é parecida com a decretada em 1807, mas que como se vê no quadro já inclui as modificações introduzidas no exército com a criação dos batalhões de caçadores e da Leal Legião Lusitana. Mas esta distribuição do recrutamento não é tão radical na distribuição das recrutas como o plano original, mesmo que o Alentejo, a província mais afetada pelo recrutamento excessivo, tenha visto o seu contributo diminuir, e muito, em detrimento de Trás-os-Montes e do Algarve que ao contrário do proposto não veem diminuir o seu esforço de recrutamento. Só em 1816 se tentará, de novo, regressar às propostas de 1803 e à lei de 1807, tentando uma organização verdadeiramente racional do recrutamento e das Ordenanças.

 

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