As Campanhas no Brasil - 5.ª parte

 

 

Resposta espanhola e contra-resposta portuguesa

 

Contra este avanço português na bacia do Paraguai, os dirigentes coloniais espanhóis tiveram que responder com decisões locais, já que não conseguiam obter de Madrid uma resposta política clara sobre como fazer face a esta ocupação territorial cada vez mais intensa e mais para Sul, e que parecia querer dirigir-se, por aqui também, para o rio da Prata. Assim, avançaram com a construção, a partir de 1773, de vário fortes ao longo do rio Apa, um afluente do Paraguai e no próprio rio principal.

 

Legião de Cavalaria

© Bibioteca do Exército

Legião de Cavalaria

do Rio Grande 

Num primeiro momento, só se conseguiu fundar Vila Real de Nossa Senhora da Conceição. Será somente vinte anos mais tarde que os mais importantes fortes serão de facto construídos: o Forte Bourbon fundado em 1792 na margem esquerda do Paraguai, frente ao forte Coimbra, a actual cidade de Olimpo, e o Forte São Carlos, construído em Agosto de 1794, na margem direita do rio Apa, com intenção clara de manter a fronteira mais a norte, no rio Mondego. Para guarnecer estes fortes e alguns fortins a eles associados foram criados pelas autoridades coloniais de Assunção quatro regimentos de cavalaria miliciana. É que o tratado de 1777 era pouco específico em relação à fronteira Sul do Mato Grosso, na definição dos limites entre os rios Iguatemi e Paraguai, até porque a zona era ainda pouco conhecida, assentando o texto que a fronteira seria estabelecida num afluente do Paraguai. Ora esse rio, como vimos, podia ser qualquer um entre o Mondego, actual Miranda, e o Apa. Seria o que iria ser definido em 1801. 

Na capitania do Rio Grande do Sul, a solução encontrada por Portugal foi diferente. A inexistência da construção de fortes na fronteira evidencia a vontade de a não querer definir claramente, considerando-se os limites estabelecidos como provisórios. Só do lado espanhol é que se construíram fortes de alguma importância, o de Santa Tecla, reconstruído após a sua destruição em 1776, e o de Cerro Largo, na recém fundada Vila de Melo, cujo nome homenageava o vice-rei do Rio da Prata, D. Pedro de Melo de Portugal e Vilhena. Estes fortes estavam colocados nas duas principais vias de infiltração nos territórios de ambas as coroas. 

O governo local decidiu não responder directamente a estas construções militares espanholas, continuando com a política de colonização progressiva da Capitania mais meridional do Brasil, com colonos vindos dos Açores. Fundou, por isso, várias povoações ao longo das linhas de infiltração naturais, consolidando assim a defesa dos limites existentes, mas também facilitando a concentração de tropas para um eventual ataque contra os territórios espanhóis. No seguimento dessa política, e preparando claramente uma futura guerra, criaram-se em Janeiro de 1800, com imigrantes vindos do Açores, as povoações de Caçapava, na linha de infiltração Santa Tecla - Lavras - Caçapava - Encruzilhada, povoação fundada em 1770 - Pântano Grande - Rio Pardo, e de Canguçu, na linha Cerro Largo - vau N. Sr.ª da Conceição - Herval do Sul, surgida em 1791 - Pedras Altas - Pinheiro Machado - Piratini - Canguçu, dando maior profundidade à defesa desta região, começada em 1789 com a fundação da povoação de Piratini. 

A parte militar também não foi descurada. 

Terminada a organização do Regimento de Dragões do Rio Grande, criado em 1739, para ocupar o Forte de Jesus, Maria e José, conhecido por "Tranqueia Invicta" começado a construir em 1737, transferiu-se o regimento da fronteira sul da capitania, do Rio Grande, onde estava desde 1775, para a fronteira ocidental, a do Rio Pardo, criando-se para cobrir a fronteira assim descoberta, a Legião de Cavalaria Ligeira do Rio Grande de São Pedro, dando-se o comando ao célebre coronel Rafael Pinto Bandeira, promovido a brigadeiro em 1789, quando visitou Portugal. A criação deste novo corpo militar permitiu dividir a fronteira em duas zonas militares, separadas pela linha do rio Camaquã, tendo a defesa território a Norte sido entregue ao Regimento de Dragões, e o a Sul ficado à guarda da Legião. Acompanhou-se estas mudanças com a transferência para Porto Alegre do Regimento de Infantaria de Estremoz, um dos três regimentos que tinham sido enviados de Portugal para ajudar na reconquista da Capitania, e que em 1777 após a reconquista tinha sido enviado com os outros dois de guarnição para o Rio de Janeiro. O regimento veio reforçar o pequeno batalhão de infantaria e artilharia do Rio Grande. 

Para além do desenvolvimento populacional e militar, o poder central tratou também de consolidar a administração pública na região, nomeando vários funcionários. O principal, José Feliciano Fernandes Pinheiro, mais tarde visconde de São Leopoldo no Brasil independente, nascido em Santos, e bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, foi nomeado em Julho de 1800 juiz das alfândegas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, posto a criar pelo próprio e, em Junho de 1801 nomeado auditor dos regimentos do Rio Grande e da Esquadra da América. 

Ordens claras também havia, já que em 23 de Março de 1797 em carta ao vice-rei conde de Resende, D. Rodrigo de Sousa Coutinho escrevia, resumindo as instruções na questão dos limites, que se devia fazer aos espanhóis 

"uma guerra surda, e de tal, que não só ponha um decidido obstáculo a todo e qualquer ulterior progresso que queiram fazer sobre o nosso Território; mas que até se vejam continuamente inquietados em todas as cabeceiras e curso do Uruguai, Paraná e Paraguai, devendo sempre propor-se a Coroa de Portugal o levar os confins dos seus Domínios ao ponto que a natureza lhe deu."

D. Rodrigo falava evidentemente do Rio da Prata. Anos mais tarde, com a guerra praticamente declarada, devido à saída dos embaixadores espanhol e francês de Lisboa, o mesmo ministro escreveu em 20 de Fevereiro de 1801, que se devia tentar atacar Buenos Aires e Montevideu por mar "enquanto a Tropa do Rio Grande os atacar em frente e a de São Paulo nas costas". O último ofício de D. Rodrigo para as autoridades do Brasil, enviado em 20 de Março desse ano, enquanto secretário de Estado interino dos Domínios Ultramarinos e Marinha, servindo para as informar que a guerra tinha sido oficialmente declarada, voltava a lembrar a conveniência de um amplo ataque contra o rio da Prata, "acometendo-os em frente, descendo pelo Uruguai e pelo Paraná, enquanto vão as naus pelo Rio, para lhes fazer uma diversão". D. Rodrigo de Sousa Coutinho, continuador de Pombal, defendia uma solução maximalista para o Sul do Brasil.

De facto, com o envio da força naval do almirante Campbell para o Brasil, no Outono de 1800, tudo estava preparado para uma guerra de conquista. O problema era o da exequibilidade do projecto defendido por Lisboa. O vice-rei considerou-o demasiado optimista, tendo em conta os meios diminutos com que podia contar para o realizar. Enviou uma pequena frota para o rio da Prata, reforçou a defesa da estratégica ilha de Santa Catarina, transferindo para lá um regimento de infantaria da guarnição de Santos, e apoiou como pôde as forças do Rio Grande e do Mato Grosso, mas deixou ao capitão-general do Rio Grande, o tenente-general graduado Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, a realização do ataque. 

Este oficial do exército, no Brasil desde 1767 quando, sendo tenente-coronel do 1.º Regimento de Infantaria de Bragança, veio com o seu regimento para o Brasil, tinha sido nomeado 1.º comissário da Demarcação do Tratado de Santo Ildefonso em 1777, e fora escolhido para o governo da Capitania em 1780. Percebe-se pelo desenrolar da campanha que sabia bem o que queria, que conhecia bem o terreno, os territórios a conquistar e os limites que queria estabelecer. Parece ter querido chegar aos limites estabelecidos em 1750, mas pode muito bem ter optado por uma solução intermédia, muito parecida com a estabelecida no tratado de 1750, mas mais realista, já que estabelecia a fronteira da sua capitania com base quase exclusivamente em linhas fluviais, rejeitando todas as conquistas que obrigassem a estabelecer uma delimitação terrestre, que o governador não queria claramente assumir. A sua morte prematura, no decorrer da campanha impede-nos de conhecer expressamente os seus objectivos

continuação


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© 2001-2009, Manuel Amaral