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As Campanhas no Brasil - 8.ª parte
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A ocupação dos territórios cedidos em 1761
Os combates no centro e no litoral da Capitania de Rio Grande do Sul
A informação de que as povoações dos Sete Povos das Missões tinham sido conquistadas, aceitando de livre vontade a soberania portuguesa, chegou na segunda semana de Setembro ao governador Veiga Cabral, por meio de uma carta que José Borges do Canto lhe escreveu em 28 de Agosto de 1801, acompanhada dos estandartes da coroa espanhola, que tinham tremulado ao vento nas várias povoações de índios guaranis. O portador tinha seguido o caminho mais seguro, que passava pelo Rio Prado e por Porto Alegre e bordejava a Lagoa dos Patos, em vez de atravessar a Coxilha Grande, o caminho mais directo mas mais perigoso, e por isso a notícia tinha demorado a chegar. Em resposta a tão boas notícias Veiga Cabral promoveu Borges do Canto a capitão, Santos Pedroso a tenente.
A primeira fase da guerra no Rio Grande do Sul tinha terminado, tendo como consequência o desaparecimento de qualquer preocupação a norte, na retaguarda da concentração portuguesa realizada a Sul do Jacuí. A guerra tinha sido declarada formalmente na vila de Rio Grande no dia 16 de Agosto, após a chegada do tão desejado ofício do vice-rei conde de Resende. Realizou-se nova cerimónia formal, com apresentação das mesmas fardas e insígnias, mas com a novidade de tocarem tambores, clarins e trompas que prepararam a proclamação do "Bando" de declaração de guerra. O acto foi seguido de um outro pedido à população mais abastada, agora para levantar à sua custa novas companhias de cavalaria miliciana, prometendo-se aos organizadores, e quase sempre seus comandantes, o pagamento por meio da nomeação para cargos honoríficos e outros benefícios. Como diz o cronista desta campanha: "é incrível o que entrou a concorrer para o exército de gente inumerável toda luzidia, valente, resoluta, constante e forte, com faculdade que também pediram, e obtiveram para passar adiante a fazer hostilidade ao Inimigo." O objectivo inicial das acções no planalto sul, da costa até ao Rio de Santa Maria parece ter sido o assegurar a defesa da capital da província, tentando ocupar rapidamente territórios que afastassem a fronteira da vila do Rio Grande, e a colocassem em zonas mais defensáveis, como fossem as linhas fluviais. Não se conhecem datas específicas, já que nenhuma das fontes precisa as datas das acções, mas pela própria ordem que o autor da "Descrição Corográfica" adoptou para a narração da campanha, parece que o primeiro combate que se realizou na zona militar do Sul foi o ataque na zona de Taim, na região compreendida entre o mar e a lagoa Mirim, conhecida desde 1786 como Campos Neutrais de Chui. O comando da força de ataque foi dado, em princípios de Setembro, conjuntamente ao capitão de milícias Simão Soares da Silva, proprietário na vila do Boqueirão, na margem ocidental da Lagoa dos Patos, e que acabará a sua carreira como coronel, e ao tenente de cavalaria da Legião de Cavalaria Ligeira do Rio Grande José Antunes da Porciúncula. Estes oficiais dirigiram-se com cento e trinta homens em direcção ao forte de Chui, na ponta Sul da lagoa. Tendo demorado um dia a atravessar a estreita língua de terra, atacaram o pequeno forte logo na madrugada do dia seguinte. Os espanhóis foram apanhados completamente desprevenidos, o que pode querer dizer que ainda não sabiam do estado de guerra entre os dois países, o que permitiu às forças portuguesas capturar o reduto sem disparar um único tiro. O forte foi destruído, a guarnição aprisionada, composta de 290 homens, foi libertada, retirando-se para o forte de São Miguel, que lhe ficava mais vizinho. Os soldados portugueses regressaram ao ponto de partida, já que podiam ser atacados pelas forças muito superiores que guarneciam a fortaleza costeira de Santa Teresa assim como a de São Miguel. Quando regressou, Simão Soares passou a ser conhecido pela população como o "Grande Capitão", pelas provas de capacidade e inteligência no comando de que tinha dado provas, mas possivelmente também devido aos despojos que tinha trazido da sua acção: 600 cavalos e 600 cabeças de gado, que em princípio tinham sido roubadas pelos espanhóis e que agora eram restituídas aos seus legítimos proprietários. A segunda acção desta primeira fase da campanha realizou-se mais a norte, perto da vila de São Gabriel, contra a guarda de Batovi. O pequeno forte, construído para defender do lado espanhol uma das duas zonas de infiltração possíveis nos territórios de ambos os contendores, era um local de importância estratégica, localizado que estava a meio caminho entre o planalto Sul e o planalto Norte do Rio Grande do Sul, no limite ocidental da Depressão Central. A tomada deste forte seria um factor importante no impedimento dos movimentos militares de Norte para Sul, defendendo por isso o flanco direito de um ataque português em direcção ao forte de Serro Largo, a principal fortificação espanhola nesta região, que se localizava do outro lado do rio Jaguarão, perto da recém-criada vila de Melo. A realização desta acção, realizada a norte da linha divisória entre as duas zonas militares em que se encontrava dividida a capitania, o rio Camaquã, foi entregue ao regimento de Dragões do Rio Pardo, comandado pelo tenente-coronel Patrício José Correia da Câmara, oficial que tinha servido na Índia e se encontrava no Brasil desde pelo menos a guerra de reconquista do Rio Grande do Sul, de 1774 a 1777, tendo sido promovido ao posto de tenente-coronel do regimento em 1780, e que será feito em 1825 barão e depois visconde de Pelotas. O oficial que comandou as forças encarregues da missão era o alferes António Alves, "muito gordo, e segundo parecia, inábil por natureza para pelejar". Era possivelmente um dos homens a que o tenente-coronel Patrício Correia da Câmara se referia ao afirmar que os oficiais do seu regimento eram "todos valetudinários e incapazes para o serviço militar". A verdade é que, tendo o destacamento dos Dragões do Rio Grande descoberto as forças espanholas quando estas abandonavam o forte retirando-se para o Sul, o alferes decidiu atacá-los. António Alves "vendo que era ocasião de mostrar que era um soldado" desembainhou a espada, colocou os seus homens em posição de combate e postou-se à frente do destacamento. Quando a força espanhola chegou ao local onde se tinha decidido atacá-la, o alferes cortou o silêncio e com voz decidida mandou o corneteiro tocar à carga lançando-se à frente da sua pequena força contra o destacamento espanhol, desbaratando-o completamente. Apanhou um rico espólio: setecentos cavalos, duzentos bois mansos, uma caixa com instrumentos de "Matemática", livros, pólvora e balas. Os soldados que capturou mandou-os, armados e cada um com o seu cavalo, para o forte de Serro Largo, para onde se dirigiam, de qualquer maneira. Uns poucos acompanharam os Dragões, para conduzirem os carros que transportavam o espólio para o rio Pardo. Todas os outros fortins da zona de fronteira do rio Pardo foram sucessivamente abandonados pelos espanhóis, e ocupados por destacamentos do Regimento de Dragões, sem mais confrontos, sendo o mais importante espólio o forte de Santa Tecla, na actual cidade de Bagé, que 20 anos antes tinha sido conquistado após duros combates. Neste ano de 1801 o forte foi novamente arrasado, ficando em ruínas após três semanas de trabalho, definitivamente desta vez.
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