Preparando-se para os problemas futuros.
África do Sul e Rodésia Colónias portuguesas África sub-sariana O colonialismo Após quatro séculos de presença em África, e uma luta em que parecia aceitar pagar qualquer preço para manter os seus territórios no continente, afirmando ter uma missão civilizadora, tudo mudou em 1974. No começo do ano, Portugal estava a gastar quase 650 milhões de dólares para manter um força multiracial de 150.000 homens, que combatia cinco exércitos de guerrilheiros em outras tantas frentes. Mas, subitamente, a mais importante figura do exército, o carismático general Spínola, publicou um livro em que afirmava que a defesa da presença portuguesa em África não seria possível por via militar. Pouco tempo depois o Império português desmoronou-se por completo. Era como se alguém, de repente, tivesse dito que o rei ia nu. A partir do momento em que alguém o disse, a evidencia não pôde ser negada. Tinha sido uma guerra sem grandes batalhas, uma campanha intensa na selva que durou catorze anos, mas sem uma batalha de Dien Bien Phu que atraísse a comunicação social. E, a verdade, é que os seus custos puseram em causa a capacidade orçamental e financeira de Portugal. A verdade é que os capitães e majores, que tinham derrubado o regime em Lisboa e tocado a retirar em África, não eram contabilistas. A sua preocupação era com a dificuldade em combater um inimigo esquivo e determinado. E começavam a estar preocupados com a aliança com a África do Sul, humilhante devido à natureza profundamente racista do regime, e que desprezava Portugal devido à sua aceitação da miscigenação nos seus territórios. Por tudo isto, os jovens oficiais decidiram-se, de facto, pela rendição sem condições, um acontecimento sem precedentes na história colonial da África sub-sariana. (Mesmo os britânicos se tinham recusado a entregar o Quénia directamente aos Mau Mau). E as repercussões deste acto, difíceis de analisar naquele momento, seriam aceites muito criticamente pelas potências ocidentais.
No meio destes acontecimentos, o primeiro-ministro da Rodésia Ian Smith afirmou num comício eleitoral realizado em Junho, tentando acalmar os 300.000 brancos que dominavam uma população negra 20 vezes maior, que «tinha confiança em que se manteria no governo da Rodésia por muito tempo.» Dito isto, Ian Smith gastou o resto do ano a observar o seu único aliado, já que, no seguimento da retirada portuguesa, a África do Sul começou a mostrar-se disposta em «trocar» a Rodésia, em troca de uma garantia de paz racial no seu próprio espaço. De facto, para tentar impedir as movimentações que se realizavam tendo em vista expulsar a África do Sul da ONU, o primeiro-ministro John Vorster sugeriu mesmo que estava preparado para fazer concessões políticas radicais aos 16 milhões de Bantus. Se os críticos da política de apartheid «dessem seis meses à África do Sul», afirmou,«serão surpreendidos pelo que este país fará.» O que, de facto, não era mais do que mera propaganda para consumo externo. Mas, em relação à Rodésia, as afirmações de Vorster eram para serem tomadas a sério, o que foi defendido por uma legião de enviados especiais aos vários países da África negra. O que obrigou Ian Smith a realizar o melhor acordo possível com os seus adversários. E assim foi de facto, com a Rodésis a libertar todos os presos políticos e em conversações com os nacionalistas negros. As antigas colónias portuguesas Entretanto, os negros em Moçambique, Angola e Guiné-Bissau saboreavam a vitória. À primeira vista, parecia que os movimentos de libertação de África tinham criado um ímpeto irreversível. Só quando a retirada de Portugal estava em realização acelerada é que os dirigentes africanos se começaram a aperceber dos problemas que os portugueses deixavam para trás. Primeiro, havia o problema de criar governos estáveis nos novos países independentes. A Guiné-Bissau começou calmamente sob a direcção de Luís Cabral e do PAIGC. Mas em Moçambique, o destino dos 200.000 brancos de que a economia - e de que praticamente toda a produção agrícola do país - dependia era incerta. Membros do governo provisório, como Samora Machel e Joaquim Chissano tentaram diminuir os receios da comunidade branca. Mas não tiveram qualquer sucesso, e a partir de Outubro a população branca dirigiu-se para os aeroportos e aeródromos optando pelo exílio. Em Angola as coisas estavam ainda mais difíceis. Houve casos de violência racial, quando alguns dos 340.000 brancos tentaram criar organizações políticas e forças milicianas tentando perpetuar a dominação branca. A situação piorou ainda mais quando os três movimentos independentistas - o MPLA, a UNITA e a FNLA - lutaram pelo poder nas vielas escuras dos muceques urbanos. Ao todo, morreram 300 pessoas em combates de rua tanto em Luanda como em Cabinda, e ficou claro que se os dirigentes portugueses e angolanos dos diferentes grupos contendores não se despachassem em unificar a população negra, o país cairia rapidamente na Guerra Civil. Com este dúbio cenário, de regresso da violência e de júbilo ao mesmo tempo, o resto da África negra lutava por solucionar problemas ainda mais sérios: a seca, a fome, a inflação e a diminuição das reservas de moeda estrangeira. A seca devastadora e, o que ela provocava, uma imensa quantidade de mortes devido à fome, começou a diminuir em meados do ano, ao mesmo tempo que chegavam toneladas de ajuda humanitária, e as primeiras chuvas em seis anos. Mas os efeitos da calamidade mantiveram-se até porque, entretanto, o preço do petróleo e de outros bens importados aumentou brutalmente e os termos de troca pioraram para os produtos africanos. Resultado: o desenvolvimento económico em grande parte dos países africanos parou, pura e simplesmente.
Nyerere e outros dirigentes da África central, como Kenneth Kaunda, da Zâmbia e Mobutu Sese Seko, do Zaire, aperceberam-se melhor que outros, em países mais distantes, dos novos e tensos problemas políticos com que seriam confrontados nos anos que se seguiriam. Tanto em público, como em privado, tentaram acalmar a situação na África austral, tentando dar aos dirigentes brancos tempo para poderem acalmar as populações, evitando o pânico e soluções sangrentas. Por entre todas estas manobras, o mundo via ansiosamente os novos países de expressão oficial portuguesa começarem a sua vida em liberdade. Seriam mais responsáveis do que os dirigentes africanos francófonos e anglófonos tinham sido à mais de uma década? Seriam mais tolerantes do que os brancos que viviam nos seus países? Havia de facto alguma relação especial entre os colonizadores portugueses e os africanos que tinham dominado? Regressado de uma visita ao exército português, antes do golpe em Lisboa, o jornalista da «Newsweek» Andrew Jaffe analisava de uma forma bastante negativa as possibilidades de Portugal se manter em África. Mas, como o próprio dizia, nessa análise não se tinha salientado a relativa falta de consciência racial que existia nas tropas portuguesas. Um coronel português tinha-lhe escrito uma carta de reclamação, afirmando:
O ano de 1975 não deu a resposta esperada a estas afirmações. De facto nem nos vinte e oito anos seguintes. E a história da colonização portuguesa em África continua por fazer.
|
||||||
O
Mundo em 1974 |
| Página
Principal | © Manuel Amaral 2000-2010 |