Nada de novo ... !
Argentina Chile Brasil México Cuba Canadá Balanço Oito homens carregaram o caixão com o cadáver embalsamado de Eva Péron, a «santa» querida dos descamisados peronistas, do avião que a levou de Espanha de regresso à Argentina, em Novembro de 1974. Todos eles agarravam as pegas douradas do caixão com uma mão, tendo na outra uma pistola metralhadora. A cena resumia bem a situação em que se encontrava a Argentina, em 1974. Doze meses antes, Juan Domingo Péron tinha regressado ao poder. O seu regresso triunfante, após quase duas décadas de exílio, parecia anunciar uma nova época de estabilidade. Mas, de repente, Péron morreu e a sua terceira mulher, Isabel, de 43 anos de idade, sucedeu-lhe na Presidência do desorganizado país de 25 milhões de habitantes. De aparência frágil, conhecida por gostar de aves, flores, dinheiro e de jogar canasta, Isabelita negou os prognósticos mais pessimistas ao conseguir manter-se no poder e mesmo melhorar a sua imagem. Mas foi incapaz de terminar a luta selvagem e sem quartel entre os extremistas de direita e de esquerda. Durante o segundo semestre de 1974 houve na Argentina mais de 200 assassínios políticos. Buenos Aires, a capital, tornou-se uma cidade amedrontada, devido às mortes provocadas pelas bombas e tiros. Sem representantes no governo peronista, cada vez mais conservador, a extrema esquerda manteve uma espécie de balança do terror com os seus opositores da extrema direita.
O que é verdade é que a morte de Prats foi seguida, pouco tempo depois, pela de Miguel Enriquez, chefe da organização revolucionária chilena MIR, em plena capital do Chile, Santiago. E com o desaparecimento de Prats e Enriquez, o poder da junta militar que governava o Chile deixou praticamente de ter oposição. Os antigos políticos chilenos foram completamente ignorados pelos militares, e a partir desse momento ficou claro que só uma desavença entre militares poderia provocar, no futuro, alguma mudança na situação política chilena. Uma estranha dicotomia existia no Chile - como é que um exército num país tão civilizado como o Chile, onde as forças armadas se tinham mostrado sempre tão comedidas, era possível agora terem uma acção tão selvagem. Não era exagerado afirmar, que o ano de 1974 no Chile se assemelhava à Alemanha nazi ou à Rússia soviética dos anos trinta. Falar em público em preços altos e baixos salários era tabu. Gente desaparecia das ruas, dos cafés e de suas casas, e na maior parte dos casos o seu fim era um tiro na nuca. A repressão no Chile foi duramente criticada pela Igreja Católica, que se estava a tornar cada vez mais, em toda a América latina, uma poderosa influência no sentido do progresso social, económico e político. No Brasil, a Igreja era a única força que, de facto, se oponha publicamente à política autoritária do regime militar, que governava desde 1964 o maior país latino do Mundo. Mas, em Novembro, no mandato do recém-eleito e bem-intencionado presidente Ernesto Geisel, um general na reserva, realizaram-se eleições legislativas, tendo o partido oficial de oposição - o MDB - obtido uma vitória retumbante. Mas foi só uma vitória psicológica, porque os militares continuaram a controlar o governo tão firmemente como dantes, que de qualquer maneira era um claro voto de protesto, contra as duras medidas de política económica tomada pelos militares e a inflação de 35% ao ano, um dos males que tinham justificado a tomada do poder 10 anos antes. O Brasil continuou a sofrer de problemas económicos nos anos seguintes, mas as suas perspectivas melhoraram muito com a descoberta de importantes reservas de petróleo. E, em geral, só os países produtores de petróleo da América latina se saíram melhor do que o Brasil em 1974. O México foi ajudado a sair dos seus problemas políticos e económicos, com a descoberta, em finais do ano, de novos poços de petróleo de grandes dimensões, que o tornaram uma grande fonte alternativa de energia para os Estados Unidos da América. No Equador e na Venezuela, também ouve progresso - mesmo que os benefícios da riqueza trazida pelo petróleo continuassem a ter muita dificuldade em chegar à população em geral. As relações dos Estados Unidos com os seus vizinhos do Sul, mantiveram-se na mesma situação de sempre, já que a promessa do secretário de estado americano Henry Kissinger de um «novo diálogo» provou não ser mais do que mera retórica. Na cimeira de Novembro de 1974 da Organização de Estados Americanos (OEA), e apesar da decisão dos EUA de não se intrometer, os países membros mais «progressivos» não conseguiram os 2/3 de votos necessários para aprovar uma resolução a pedir o fim das sanções a Cuba. Para adoçar o desapontamento, a pobre ilha tropical de Fidel Castro pôde contar com um aumento do preço do açúcar nos mercados internacionais. Ao contrário, o Canadá foi um dos países do Mundo que mais facilmente atravessou a crise. Enquanto a economia mundial sofria sobre o peso dos constantes aumentos de preços da energia e do aumento brutal da inflação, o Canadá, auto-suficiente em termos energéticos, praticamente não sofreu com a crise.
A riqueza natural do Canadá deu-lhe uma nova importância no Mundo. O Canadá era o terceiro produtor de minerais essenciais e produzia 20 % dos excedentes mundiais de trigo e farinha. As estatísticas não eram novas, mas tinham uma nova atracção, naquela época de crise. De facto, a época lembrava a Segunda Guerra Mundial quando o Canadá, devido à sua economia florescente, tinha tido um peso desproporcionado nos assuntos internacionais. Quando a situação na Europa e no Japão voltou ao normal, o Canadá regressou à sua situação de potência mediana, o que lhe permitiu enfrentar os seus problemas internos, e discutir o efeito dos investimentos americanos na sua identidade nacional. Os debates dos anos 60,
complicados pelo separatismo no Quebec, província de língua oficial
francesa, tinham sido quase todos concluídos no começo dos anos 70. O
novo governo do Partido Liberal, saído da inesperada vitória nas eleições legislativas de
1974, dirigido por Pierre Trudeau, começou a procurar novos
parceiros comerciais e políticos, tentando fazer com que a Europa
ocidental e o Japão se tornassem dois pontos de apoio que permitisse ao
Canadá manter-se afastado dos Estados Unidos. E no fim do ano, esta
política parecia estar a começar dar resultados. Mas as relações entre
o Canadá e os EUA mantiveram-se na mesma situação, absolutamente vitais
para os dois países mas sempre conflituosas.
Para além de tentar controlar
os investimentos americanos, o governo de Pierre Trudeau, vendeu os seus
excedentes petrolíferos ao preço do mercado internacional, que em 1974
era o dobro do preço praticado no país; e o preço do gás natural
exportado para os Estados Unidos aumentou mais de 60%, no princípio de
1975. E, parecendo querer confirmar a afirmação de que os canadianos
eram os «árabes do norte», Pierre Trudeau afirmou que esperava acabar
com as exportações de petróleo para os Estados Unidos até 1982. As convulsões políticas,
as guerrilhas, a luta dos índios e dos camponeses, provocaram
problemas de subnutrição na Guatemala. O facto é que a atitude do
Mundo perante o Canadá se modificou significativamente, já que deixou de
ser visto como um país quase «colonizado» tentando manter a sua
independência em relação a um vizinho demasiado poderoso, para passar a
ser visto como um país rico, sem nenhuma preocupação com o mundo que o
rodeava. Os canadianos tiveram alguma dificuldade em aceitar a mudança. Tirando o Canadá, foi difícil descortinar
qualquer tendência de melhoria da situação política, económica e
social no hemisfério. Como dizia um observador,
«tentou-se de tudo, mas nada parece dar resultado.» De facto só os anos
80 viriam alguma melhoria sensível nos países da América Latina. |
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