Quando o crescimento teve de parar
Já tinha havido maus anos económicos antes, mas seria preciso regressar muitos anos atrás para encontrar uma época tão confusa e desesperada como a de 1974, do ponto de vista económico. Toda a gente achava que os 30 anos de prosperidade económica ininterrupta, que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial, tinham chegado ao fim. Os aumentos do preço do petróleo em bruto forçaram os países consumidores - tanto os ricos como os pobres - a terem de dar resposta os problemas levantados por esta mudança. A inflação acima dos 10 % diminuiu brutalmente o poder de compra das populações, e deu origem a uma recessão económica à escala mundial, que afectou tanto os países desenvolvidos como os em via de desenvolvimento. No fim do ano, o impacto destas perturbações económicas levou à queda dos índices bolsitas e pôs em causa a estabilidade das instituições financeiras do mundo.
Mas com o passar do tempo, ficou claro que havia outras forças que estavam a levar a economia mundial para uma recessão inimaginável. Os preços de quase todas as matérias primas, por exemplo, aumentaram descontroladamente - e apesar do embargo, também havia pressões criadas pela extraordinária expansão económica de 1972-73. E, para piorar ainda mais a situação geral, e com consequências imediatas na população, uma seca nos EUA e uma série de más colheitas noutras zonas produtoras, provocaram uma diminuição das reservas alimentares e de cereais, que atingiu níveis muito críticos, que colocou milhões de habitantes do terceiro Mundo à beira da fome. Durante quase todo a ano, os EUA, o Japão e a maior parte dos países da Europa ocidental viram a inflação como o seu principal inimigo. Pouco tempo depois de ter sido empossado como Presidente dos Estados Unidos, Gerald Ford considerou que a inflação era o o «inimigo público número um» e, numa decisão sem precedentes, chamou dezenas dos principais homens de negócios, dirigentes sindicais e economistas para, no decorrer de uma cimeira económica com a duração de dois dias, discutirem como fazer parar a espiral dos preços. Mas antes mesmo da Cimeira de Washington organizada por Ford, Nixon, o seu predecessor na Casa Branca, juntamente com dirigentes da Europa ocidental e do Japão, pareciam ter chegado a acordo em que a continuação das taxas de inflação em níveis muito elevados, poria irremediavelmente em causa os fundamentos da própria sociedade ocidental. E de facto, em 1974, as políticas postas em execução reflectiam esta convicção. Nos Estados Unidos, onde a inflação estava acima dos dez por cento, voltou a falar-se das «velhas crenças» - de um orçamento equilibrado e de um controlo monetário apertado. Mas, apesar da retórica do governo, a luta contra a inflação era de facto dirigida pela Reserva Federal e pelo seu Presidente Arthur Burns. Durante grande parte do ano, o septuagenário presidente da Reserva Federal manteve um controlo monetário apertado, levando as taxas de juro para níveis recordes, que tiveram o condão de levar a indústria de construção civil à paralisação quase total. Outros países seguiram políticas de controlo monetário semelhantes, acrescentando-lhes muitas outras medidas. Em França, o novo Presidente Valéry Giscard d'Estaing, antigo ministro das finanças, aumentou os impostos das empresas, impôs fortes restrições ao crédito e limitou a possibilidade das empresas passarem para os consumidores, por meio do aumento dos preços, os aumentos salariais. No Japão «O Ano do Tigre» trouxe uma inflação anual de 24 % e a promessa do primeiro-ministro Kakuei Tanaka de parar a espiral dos preços no seu começo. Abandonou o plano de remodelar o arquipélago por meio de grandes obras públicas, e diminuiu as despesas públicas em mais de 10 mil milhões de dólares, cortou as fontes de crescimento da massa monetária e aumentou para o dobro as taxas de juro. Na Grã-Bretanha, o novo governo trabalhista de Harold Wilson, tentou controlar a inflação por meio do controlo dos preços, subsídios alimentares, aumento dos impostos das empresas e pela realização de um acordo entre os sindicatos e o governo. Na Alemanha ocidental, com uma inflação de quase 8 % na Primavera, o governo tirou o gás ao «Milagre Económico» alemão e pôs em prática um conjunto muito duro de medidas económicas anti-inflacionistas.
Enquanto os problemas económicos mundiais aumentavam, as bolsas internacionais reagiram de uma maneira, que alguns analistas mais pessimistas consideravam ser a aproximação de uma gravíssima recessão económica. Nos Estados Unidos o índice Dow Jones, constituído pelos valores médios da cotações de empresas industriais seleccionadas, teve os seus mais baixos valores em 12 anos. No papel, as perdas na bolsa de Nova Iorque elevaram-se a mais de 320 mil milhões de dólares, a maior perda de sempre. O índice londrino do jornal britânico Finantial Times, equivalente ao Dow Jones americano, desceu para níveis de vinte anos atrás e outras bolsas também tiveram perdas com estes níveis de retrocesso. Foi um sinal claro de que os investidores achavam que se tinha ido longe demais na luta contra a inflação, e os meses finais do ano mostraram que os responsáveis económicos dos países afectados tinham ouvido a mensagem. Em finais de Novembro, nos Estados Unidos, a Reserva Federal diminuiu substancialmente o controlo sobre o crédito e ao nível fiscal, o Presidente Ford decidiu aumentar o défice para 20 mil milhões de dólares, esperançado que estimularia assim a estagnada economia americana. É que, no Outono daquele ano, se passou a considerar como fundamental o combate tanto ao desemprego como à recessão económica, que passaram a ser considerados coisas bem piores do que a inflação. Na Alemanha ocidental, onde medidas de combates à inflação muito duras tinham diminuído o consumo dos particulares em 3 %, o governo decidiu diminuir os impostos em 8 mil milhões de dólares. Na Grã-Bretanha, o Chanceler do Tesouro, Denis Healey, anunciou que o governo iria diminuir as restrições aos aumentos de preços, diminuir os impostos nas aquisições de acções e pôr à disposição das empresas com dificuldades de acesso ao crédito nos mercados tradicionais cerca de 2 mil milhões de dólares. Em finais do ano foi a vez do Japão diminuir também os seus apertados controlos monetários.
Durante quase todo o ano de 1974 o espectro da desorganização do sistema monetário pairou sobre o mundo. Os cofres dos países da OPEP estavam a encher-se de uma maneira espectacular - 85 mil milhões de dólares em comparação com os 15 mil milhões do ano anterior. O problema que se colocava era saber o que é que os árabes e o Irão iriam fazer com estas somas astronómicas, já que evidentemente não as conseguiram absorver nos seus planos de fomento. No princípio, a resposta parecia assustadoramente clara. Os fundos árabes entraram em contas à ordem, implicando que os fundos tinham de estar imediatamente disponíveis nos bancos europeus onde estavam depositados. O problema é que os mesmos bancos estavam a emprestar a longo termo aos países com dificuldades de pagamento dos seus défices. Os problemas que isto colocava eram palpáveis, levando à falência de vários bancos. Ansiosos por conseguirem bons ganhos nos mercados monetários, várias instituições financeiras sofreram perdas imensas devido às mudanças de política das taxas de câmbio, o que levou mais bancos a desaparecerem. O nome «petrodólares» tornou-se uma palavra importante no léxico financeiro, e como conseguir que eles entrassem de novo na economia ocidental um dos tópicos de discussão mais importantes nas reuniões financeiras e económicas internacionais. Para ajudar na resolução do problema, o Fundo Monetário Internacional (FMI) criou um mecanismo de reencaminhamento de dinheiro para os países pobres, os que tinham sido mais atingidos pelos aumentos dos preços do petróleo. Outras propostas foram apresentadas, como a de Henry Kissinger, secretário de estado dos EUA, que propunha a criação de um programa de empréstimos de emergência de 25 mil milhões de dólares a ser financiado pelos países industrializados, que permitiria que os vários países se apoiassem uns aos outros enquanto o défice da balança de pagamentos fosse crescendo. Mas em 1974, não havia de facto mecanismos formais para reciclar os «petrodólares» - e o que aconteceu é que quem acabou por beneficiar com o investimento árabe foram os Estados Unidos, devido aos seus enormes mercados financeiros e a Alemanha ocidental, devido ao seu sólido sector industrial. E de facto, no fim do ano o Irão ficou dono de uma parte substancial da Krupp, e o pequeno Kuwait ficou com 14 % da Daimler-Benz, pelo qual pagou 400 milhões de dólares. O que fez com que os economistas defendessem que os países industrializados é que deviam fazer a reciclagem dos «petrodólares» apoiando os seus parceiros comerciais. E de facto a Alemanha emprestou à Itália 2 mil milhões de dólares, para pagamento do seu défice. Como dizia Karl Otto Pohl, o ministro das Finanças alemão, «temos de fazer isto porque as alternativas - restrições no comércio e o fim da economia de mercado no mundo ocidental - não são aceitáveis. E seriam muito perigosas.» Por isso não surpreendeu que o ouro tivesse atraído a atenção dos investidores, e mais fixamente do que os governos dos países industrializados gostariam. A decisão dos EUA de permitir de novo a compra de ouro por particulares, fez com que se pudesse falar da «corrida ao ouro dos anos 70», o que fez com que o preço aumentasse ainda mais. No final do ano, os países ocidentais concordaram em contabilizar as suas reservas de ouro de acordo com os preços do mercado, o que fez com que os olhos dos investidores e dos especuladores brilhassem ainda mais.
O relatório era muito pouco optimista, prevendo um crescimento quase nulo para 1975 no conjunto dos 24 países membros, que eram os países mais desenvolvidos do mundo. Para a OCDE, só a Alemanha e o Japão cresceriam 2 e 2,5 %, respectivamente. Ainda mais desencorajadora era a previsão da diminuição da taxa de inflação para somente 11 %, e o aumento brutal do desemprego em todo o mundo. O problema é que, como sempre, entre a tomada de decisão, a efectuação e a chegada dos efeitos de uma determinada política, existe um período mais o menos longo. E, naquele ano de 1974, havia demasiada ansiedade para esperar calmamente que os efeitos chegassem, ainda por cima provocados por medidas que pareciam a todos os analistas como muito modestas para poderem mudar o rumo da economia e fazer aumentar a produção industrial. Mesmo nos Estados Unidos, o governo viu-se obrigado a criar um maior número de incentivos à produção para evitar uma recessão, política intervencionista que tinha previamente anunciado que não desejava realizar. Mas duas coisas ficaram claras: a economia mundial nunca mais voltaria a crescer às taxas conseguida nos 30 anos anteriores e, ponto positivo no meio da crise, os dirigentes políticos mundiais pareciam estar preparados para cooperar na tentativa de encontrar soluções para impedir o aparecimento de uma monumental crise económica, que poderia levar a uma enorme recessão. O problema que se colocava imediatamente, era saber por quanto tempo esta atitude conciliatória se manteria, com a perspectiva do declínio das condições de vida das populações, e da diminuição do poder de compra dos consumidores.
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