Henry Kissinger analisa 1974
Este texto é uma tradução condensada de um entrevista dada à revista «Newsweek» em finais de Dezembro de 1974, por Henry Kissinger, na época Secretário de Estado dos Estados Unidos da América, tendo como interlocutores Kenneth Auchincloss, Edward Klein e Bruce van Voorst. Pergunta: Olhando para o que foi a política externa dos E.U.A. em 1974, o que é que lhe dá mais satisfação e o que é que o deixa mais desapontado ? Resposta: Por mais estranho que vos possa parecer, a maior satisfação é que se fez a transição presidencial sem problemas. É que este período foi muito complicado. E estava muito preocupado porque, enquanto a autoridade central estivesse em crise, a transição poderia enfraquecer as bases da nossa política externa. Considero que termos conseguido continuar com uma política externa activa foi a coisa que mais satisfação me deu. Claro que houve acontecimentos individuais que foram importantes e me deram também muita satisfação, como foi a resolução do conflito entre a Síria e Israel. P. Como é que classifica o acordo SALT (Strategic Arms Limitation Treaty) de Vladivostok na lista de realizações deste ano que passou? R. Muito bem, e com um importância para o futuro maior do que qualquer outra coisa que tenha sido concretizada. Os vários acordos de separação das forças militares no Médio Oriente foram difíceis e importantes, porque puseram em causa a tendência para o reacender da guerra, e porque podem levar à realização de novos progressos. Mas penso que em termos de realizações permanentes, poria a possibilidade de se chegar a um segundo acordo SALT no topo da lista ou muito perto do topo. E penso que a história verá isto também desta maneira. P. Há quem diga que o acordo aceita um número de MIRVs (Multiple Independently-targetable Re-entry Vehicles), que pode levar à criação de uma força de ataque inicial por qualquer dos lados, que encorajará uma nova corrida aos armamentos. R. O acordo tem de ser comparado com o que aconteceria se não tivesse havido acordo - e não com um modelo teórico. As estimativas dos nossos serviços de informação indicam que na ausência de um acordo, os números de MIRVs soviéticos seriam muito mais altos do que o que irão ser com o acordo, assim como os números totais de mísseis soviéticos, o que levaria a que os EUA tivessem de responder. Os chamados novos programas de construção determinam números que eram os mínimos dos antigos planos de construção; os planos seriam acelerados e aumentados se a União Soviética tivesse construído os números de mísseis que os nossos serviços de informação pensavam que ela podia construir. E que não só podiam como de facto o fariam. E não estou a falar do nível médio estimado pelas informações. Normalmente existem três tipos de estimativa - por baixo, por alto e média. Ambos os tectos aceites em Vladivostok estão abaixo das estimativas por baixo dos serviços de informação, e substancialmente abaixo das estimativas médias. Está-se a criar o mito de que nós propusemos em Julho limitar mais severamente o número de MIRVs, e que isto foi abandonado, por uma razão qualquer, entre Julho e Dezembro. Isto não é verdade. A proposta de Julho propunha antes de tudo a assinatura de um acordo por cinco anos. Se duplicarem o número que propusemos para o acordo de cinco anos terão um número maior do que o que foi acordado para o de dez. P. Vê alguns sinais de que o desanuviamento leve a União Soviética a ter um papel mais positivo no Médio Oriente ? R.
O Médio Oriente é um problema muito complicado tanto para eles como
para nós. Não há dados concretos que me façam acreditar que a União
Soviética provocou a guerra de 1973.
Mas, por outro lado, a União
Soviética não está preparada para pôr em causa o seu relacionamento
com alguns dos estados árabes, em nome da tranquilidade no Médio
Oriente.
P. Pensa que o desanuviamento irá ajudar na próxima ronda de conversações
no Médio Oriente ? R. Em geral sim, se todas as partes actuarem ponderadamente.
Alguns dos participantes no conflito do Médio Oriente não quiseram que a
União Soviética tivesse um papel activo. Isto foi um dos factos
inibidores. O outro é que o esforço de cooperação com a União
Soviética depende das posições que ela tomar. Se a União Soviética
tomar posições idênticas a uma das partes, então será melhor negociar
directamente com essas partes. P. Qual é a condição necessária
para que a Organização para a Libertação da Palestina e Israel se
sentem e falem ? R. É impossível aos Estados Unidos
recomendarem a realização de negociações com a OLP antes de ela aceitar a existência de
Israel enquanto estado legítimo. Enquanto a OLP propuser, de uma forma ou de
outra, a destruição de Israel, não vemos grandes hipóteses de
negociações com a OLP. P. Acha que as partes estão a endurecer
as suas posições ? R. Já passei por várias
negociações sobre o Médio Oriente e todas elas passam sempre por um
período febril. Há um momento em que as partes falam de uma maneira
excessiva, para provarem que foram duras, inflexíveis e que não
fizeram nenhum tipo de concessão. Estamos no começo desta fase. Mas
não estou pessimista. Pelo contrário, acredito que poderemos dar um
novo passo. Claro que, devido à reunião de Rabat e à situação
interna, cada vez mais complexa, de cada um dos participantes, as
negociações serão mais difíceis do que à uma ano atrás. As paradas
estão mais altas. Mas penso que é possível fazer progressos. É
preciso fazê-lo utilizando um método diferente do utilizado no ano
passado. Se comparar a situação em que estamos actualmente com a
situação em que estávamos, em diferentes momentos, durante as
negociações com a Síria, penso que situação actual é mais
encorajadora do que a que era naquele momento. De facto estou bastante
mais encorajado. P. Acha que será possível realizar
progressos antes da viagem de Leonid Brezhnev ao Egipto que está prevista
para Janeiro do ano que vem ? Seria
um erro para os Estados Unidos fazer depender as suas políticas das
viagens do secretário geral do partido soviético. Negociaremos o mais
rapidamente que for possível, mas não queremos ir por um caminho de
imposição de acordos ou mesmo em ir à frente das partes em conflito. A
arte destas negociações é fazer com que todos os interessados estejam
seguros que os seus interesses fundamentais estão salvaguardados, e que
a sua dignidade será respeitada. A nossa passada não será determinada por
Brezhnev, mas sim pela rapidez com que as partes em conflito aceitarem as
posições uns dos outros. P. Há
quem diga que seria do interesse de Israel arranjar uma desculpa e atacar de
surpresa e em antecipação. R.
Penso, com base nas minhas conversas com políticos
israelitas, que nenhum dirigente israelita responsável actua de acordo com
esse pressuposto. Sabem muito bem que se uma guerra rebentar ela desencadeará acontecimentos que
poderão ter consequências
incalculáveis. Penso que as pessoas
responsáveis em Israel compreendem que a melhoria das relações dos
Estados Unidos com os países árabes, é do interesse de Israel porque nos
permite exercer uma influência moderadora. Os dirigentes israelitas com
quem tenho falado estão genuinamente interessados em caminhar em direcção
à paz. É um problema muito
complicado, porque a margem de sobrevivência de Israel é tão mais pequena
do que a nossa, que nos é difícil compreender algumas das preocupações de
Israel. Mas não me parece que haja algum dirigente israelita que pense em
ir deliberadamente por esse caminho tão irresponsável. P.
Dada a existência da arma petrolífera dos Árabes, e a maneira como isso
afecta o apoio do mundo Ocidental a Israel, pensa que Israel conseguirá
sobreviver ? R. Penso que a
sobrevivência de Israel é essencial. Os Estados Unidos - e em última
análise a Europa - não negociarão a sobrevivência de Israel. Isto
seria um acto de um tal cinismo que o mundo ficaria moralmente hipotecado
se isso acontecesse. Mas isso nunca acontecerá. P.
Na sua lista de coisas boas e más do ano, ainda não falámos da energia. R.
Considero que a seguir ao Tratado SALT, uma das nossas mais sólidas realizações foram as soluções que encontrámos para a política
energética. Penso que a Conferência sobre Energia de Washington, a
Agência Internacional de Energia, o Programa de Transferência de
Emergência e as medidas que estamos a desenvolver podem vir a ser o
começo de uma reestruturação das relações entre os países
industrializados mais avançados, e pode vir a servir de ponte para os
países produtores. P. É
intenção dos Estados Unidos organizar os países consumidores de
petróleo de maneira a poderem negociar a redução dos preços com os
países produtores ? R.
Gostaríamos de criar um grande número de incentivos para a redução dos
preços, e, falhando isso, ter o máximo de capacidade para aguentar com os preços
altos. As duas coisas estão relacionadas. Se tivermos medidas efectivas
de conservação, se desenvolvermos fontes alternativas de energia e se
novas fontes de petróleo forem descobertas, então a balança entre a
procura e a oferta terá inevitavelmente de mudar. Já ouvi dizer que os
países produtores poderão sempre acompanhar-nos diminuindo
a produção, mas eles constatarão que isso vai ser cada vez mais
difícil de pôr em prática. Se os países industrializados puserem em
prática medidas de solidariedade financeira, poderemos reduzir o efeito
dos défices na balança-de-pagamentos. E quando o programa de
transferências de emergência estiver em funcionamento daqui a poucos
meses, a capacidade desses países de usar os embargos com intenções
políticas será muito reduzida. P.
E se tudo falhar, os EUA ponderam intervir militarmente no Médio Oriente
para assegurar preços do petróleo que possamos pagar ? R.
Não penso que isso fosse motivo para uma intervenção militar. P.
Não pensa que a bancarrota financeira do Ocidente seja um casus belli
? R. A bancarrota
financeira do Ocidente é evitável por outros meios. Encontraremos outras
soluções. P. O desanuviamento
com a República Popular da China parece ter parado. R.
Bem essa é a posição normal da comunicação social. Mas não é a dos
Estados Unidos. Penso que no capítulo das relações bilaterais as coisas
estão a correr normalmente. E confirmei-o na minha última visita à
República Popular da China. É um relacionamento pragmático e
necessário, de dois países que decidiram cooperar mutuamente na prossecução
de objectivos limitados. Não aceite a afirmação de que esta política
esteja parada. P. Acha que os
Estados Unidos poderão tentar a normalização da relações com Cuba no
próximo ano ? R. Estamos
preparados para aceitar um voto por maioria de dois terços na
Organização dos Estados Americanos (OEA), na próxima reunião em Quito,
na Colômbia, e penso que a votação por maioria de dois terços está
assegurada. Fomos confrontados subitamente com o pedido de conseguirmos
votos para uma resolução que evidentemente não podíamos apoiar, tendo
em conta a história do nosso envolvimento nas sanções.
P.
Acha que o pêndulo passou demasiado depressa de um lado, da ideia do
«Super K», para o outro, para a tendência generalizada para o criticar
? R. Não há magia nem
super-heróis nos negócios estrangeiros. A diferença entre uma boa
política externa e uma medíocre é a acumulação de nuances. É
o trabalho meticuloso; é a preparação cuidada. Se um Secretário de
Estado, ou qualquer outra pessoa encarregue da política externa, pensar
que vai marcar golos sempre que tomar uma decisão nesse sector,
carregará um fardo demasiado grande, e esforçará excessivamente o
sistema. P. Vai começar o seu
sétimo ano de serviço em Washington. Há alguma irritação ao fim
destes sete anos ? R. Gostaria de
pensar que o melhor momento para sair é aquele em que se não está sob
pressão. Já estou aqui à tempo suficiente, e por isso já não preciso
de continuar aqui para provar alguma coisa a mim mesmo. Por
outro lado, também estou ligado a algumas coisas de que me seria difícil
ou penoso desligar. Gostaria de pensar que saberei quando deverei ir-me
embora. Mas, na verdade, muito pouca gente conseguiu isto. De facto, a
maior parte das pessoas são levadas a sair, não saindo por sua própria
vontade. Não tenho nenhuma pressa de sair. Mas não tenho nenhuma
obrigação de ficar. |
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