Os mesmos velhos problemas de sempre
No discurso que proferiu na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Abril, o vice primeiro ministro chinês, Teng Hsiao-ping afirmou que «a situação internacional é muito favorável às nações em desenvolvimento. A velha ordem baseada no colonialismo, no imperialismo e no hegemonismo, está a ser, cada vez mais, posta em causa e a ser abalada nos seus alicerces.» Não há dúvida que a análise do dirigente chinês estava em grande parte correcta, mas o discurso também expressava esperanças que se mostraram infundadas. De facto, a velha ordem na Ásia foi posta em causa em 1974. Preocupados com os seus problemas internos e com os acontecimentos no Médio Oriente, os Estados Unidos e a União Soviética diminuíram consideravelmente a sua actividade no continente - sobretudo os Estados Unidos. Mas a verdade é que nenhuma potência asiática tentou ocupar o lugar deixado vago pela retirada das duas super-potências. O candidato mais provável, o Japão, não teve vontade política para o fazer, e os restantes países asiáticos concentraram-se na resolução dos seus próprios problemas internos. Em nenhum outro país isto foi tão verdadeiro como na China, onde os acontecimentos continuaram a ser dominados pela luta, intensa e permanente, por se saber quem iria governar o país após a morte do presidente Mao Tse-tung. À velha maneira chinesa, esta luta pelo poder foi apresentada à população por meio de uma parábola: foi realizada uma campanha para desacreditar o antigo filósofo Confúcio e o seu alegado discípulo na época, o antigo ministro da defesa Lin Piao, que tiha morrido em 1971 após uma tentativa de golpe de estado para derrubar Mao. O que esta campanha escondia era a luta pela supremacia política entre duas das mais importantes facções no aparelho governativo chinês - os «pragmáticos» que se agrupavam em torno do primeiro-ministro Chou En-lai e os elementos mais radicais reunidos À volta da mulher de Mao, Chiang Ching, que defendia soluções ultra-radicais. A luta pelo poder não teve solução final durante o ano de 1974, e manteve-se imprevisível. Mao manteve-se afastado de Pequim durante meses, um sinal de que se preparava para realizar um golpe de teatro. Chou En-lai esteve no hospital, sem se saber ao certo o motivo do internamento, se provocado por uma série de ataques de coração ou por ter um cancro do estômago. Devido à ausência dos dois principais dirigentes políticos, Teng Hsiao-ping, e outros políticos identificados como seguidores de Chou En-lai, governaram a China, mas na verdade isso não respondeu à pergunta fundamental: qual das facções em contenda era a mais forte nos escalões superiores do Partido Comunista. Nem mostrava para que lado penderia a hierarquia militar, que iria ser o fiel da balança. A Índia também foi obrigada a preocupar-se, quase exclusivamente, e num nível ainda mais intenso do que o da China, com a resolução dos seus próprios problemas. Para Indira Gandhi, a primeira-ministra, 1974 seria o ano em que o país começaria a ser reconhecido como uma verdadeira potência, realizando assim o velho sonho indiano de grandeza. E de facto, a Índia em Maio tornou-se o sexto país a entrar para o clube nuclear. Mas uma seca, seguida de grandes inundações, obrigou o governo de Nova Deli a abandonar a cena internacional, e a preocupar-se tão somente com a sobrevivência. É que, inevitavelmente, a seca tinha diminuído as colheitas de trigo, e isso, conjugado com um aumento da população em 14 milhões de habitantes, só nesse ano, provocou a fome generalizada.
Pior do que a Índia, só o seu protectorado, o Bangladesh, o antigo Paquistão Oriental. As inundações, a corrupção, o banditismo e a insolvência tornaram-no um caso típico de um país que só sobrevive por meio do apoio da comunidade internacional. O Paquistão foi o país que no sub-continente indiano atravessou o ano melhor, mesmo que tivesse sofrido uma seca prolongada, que obrigou o governo do primeiro-ministro Zulfikar Ali Bhutto a importar alimentos, mas o facto é que o país pareceu ter ganho uma certa estabilidade, em relação aos anos anteriores. A Indochina, em comparação com o sub-continente indiano, não estava em melhor situação. Tirando o Laos, onde o príncipe Souvanna Phouma conseguiu um surpreendente acordo com os comunistas do país, não houve sinais de esperança em qualquer outro lado. No Cambodja, a guerra civil de que se não percebia muito bem as causas, tornou-se tão obscura que nem os participantes percebiam bem os objectivos, a luta continuou com as forças comunistas a dominar três quartos do território e as forças do marechal Lon Nol, que estava parcialmente paralisado do corpo, a ocuparem as cidades. E no Vietname a mais longa guerra da história contemporânea continuava a não ter fim à vista. No seguimento da demissão do presidente americano Nixon, ficou claro que a sobrevivência da República do Vietname (do Sul) tinha deixado de ser uma prioridade para os EUA - e que a manutenção no poder do presidente Nguyen Van Thieu muito menos o era. Devido a essa nova posição dos EUA, uma coligação de católicos, budistas e veteranos de guerra começo a pedir o afastamento do presidente Thieu. Ao mesmo tempo que as forças armadas do Vietname do Sul começaram a racionar os seus meios logísticos, devido à diminuição da ajuda militar americana. Quando 1974 estava a acabar os Norte Vietnamitas começaram uma ofensiva nas regiões produtoras de arroz, essenciais para a sobrevivência do Sul, que se previa faria mais de 100.000 vítimas. Para o Japão o ano foi duríssimo. Um país que começava a ganhar um novo protagonismo político e a diversificar a sua estrutura económica, viu uma época sem precedentes de desenvolvimento económico desvanecer-se de um momento para o outro, e o seu primeiro-ministro obrigado a demitir-se devido à descoberta de que o seu enriquecimento se tinha realizado com base em negócios com terrenos muito pouco claros. Mas ainda mais perturbador, uma sociedade que era considerada o paradigma da coesão social, presenciou um aumento do terrorismo realizado por extremistas, tanto no país como no exterior, e o aparecimento de uma série de organizações defendendo o «poder popular», que atacavam tanto empreendimentos imobiliários como maridos errantes. Mas mesmo assim alguma coisa que correu bem. A primeira visita de um Presidente dos Estados Unidos ao Japão correu sem problemas. E mesmo que pouco tenha saído da cimeira entre Ford e Tanaka, o facto é que a visita curou os japoneses do medo de receberem um presidente americano e acontecer qualquer de errado durante a visita.
Com o Japão a gastar em 1974 20 mil milhões de dólares com as importações de petróleo, em comparação com os 6 mil milhões do ano anterior, o país ficou atordoado com o problema árabe e os erros de Tanaka. Com os aumentos salariais de 33 %, o preço do arroz pulou dos 5 para os 7 dólares por saco, os preços dos transportes aumentaram 25 % e o preço da bandeirada dos táxis de Tóquio quase duplicou. A sociedade japonesa parecia ter entrado em crise profunda, com o aparecimento de greves selvagens, de movimentos defensores do «poder popular», de manifestações por tudo e por nada, e mesmo de acções de mulheres divorciadas que exigiam o pagamento das pensões manifestando-se ruidosamente no local de trabalho do antigo marido. O novo activismo não prognosticava nada de bom, para uma sociedade que baseava a sua competitividade na homogeneidade social. E de facto, o crescimento económico que tinha sido de 10 % em 1973, tinha passado para 4 % em 1974, e as notícias continuaram más nos tempos seguintes, com falências, despedimentos e diminuições bruscas dos lucros. O primeiro-ministro Tanaka, que forra o governante japonês mais popular desde o fim da guerra, normalizou as relações do Japão com a China, mas mostrou-se incapaz de resolver os problemas económicos emergentes, e pior, para assegurar a vitória nas eleições para a câmara alta do Parlamento realizou, a partir de Agosto, vários acordos com grandes empresas para compra de votos. A reacção dos eleitores não se fez esperar e o Partido Liberal Democrata de Tanaka perdeu votos, em vez de os ganhar. O vice primeiro-ministro e o ministro das finanças demitiram-se. Os jornais começaram a investigar as relações económicas do primeiro-ministro e do partido do governo com as grandes empresas, e a publicação das investigações obrigou Tanaka a aceitar seguir os ministros demissionários, o que aconteceu imediatamente a seguir à visita de Ford. A escolha do novo primeiro-ministro recaiu em Takeo Miki, que tinha 67 anos, e era conhecido pelo «Sr. Honesto» da política japonesa.
Este tipo de mentalidade sempre ajudou o Japão a ultrapassar choques e crises, e ajudou-o, de facto, a superar mais esta. No resto da Ásia, as coisas foram andando razoavelmente bem - em comparação, evidentemente. Na Coreia do Sul a oposição ao presidente Park Chung Hee, tornou-se mais activa, e em Agosto a sua mulher foi assassinada. Mas a economia coreana aguentou a crise melhor do que seria previsível. Nas Filipinas, a revolta muçulmana nas ilhas meridionais do arquipélago manteve-se na mesma situação, e o presidente Marcos pôde comemorar o segundo ano da proclamação da lei marcial com pompa e circunstância. Na Tailândia, Indonésia e Formosa (Taiwan) a situação foi de estabilidade, mesmo que se pensasse que era só à superfície. Balanço Resumindo, foi um ano com poucas surpresas. Como sempre, houve guerra, fome e mesmo peste. A incerteza política era o normal, e a preocupação com a economia mundial ia aumentando. De facto, parecia que alguma coisa tinha de mudar em muitos dos países asiáticos, mas como é que elas se iriam processar é que não se sabia. Pensava-se que 1975 daria a resposta - como de facto deu, no caso do Vietname - mas podia ser que nada mudasse.
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