Um Novo Conforto
Desanuviamento Dissidentes Balanço O desanuviamento foi a solução encontrada pela União Soviética para conseguir um acordo de conciliação com os seus rivais externos. Os dissidentes demonstravam a existência de problemas internos. Em 1974, como nos anos anteriores, era a relação entre estas duas forças que definia a visão exterior sobre a Rússia e os seu Império. Inevitavelmente, esta visão restringia-se aos aspectos mais óbvios do comportamento dos soviéticos; escapando-lhe o desenvolvimento, gradual e imperfeito mas sustentado, da economia soviética, e o aumento do bem-estar de milhões de russos, passando muito superficialmente pelo desentendimento permanente entre os dirigentes soviéticos, que era cuidadosamente ocultado. De qualquer maneira, factores de análise como a política externa soviética e as vozes incómodas vindas do interior eram uma quadro demasiado simplista para se poder identificar padrões de mudanças na União Soviética. No campo diplomático, 1974 foi um ano de mudança no relacionamento com os Estados Unidos. Durante algum tempo, pareceu que todas os esforços que Moscovo despendia na tentativa de diminuir as tensões produziam mais calor do que de luz. Durante uma Primavera de descontentamento, os soviéticos viram dois dos seus mais decididos aliados - o Presidente Georges Pompidou de França e o Chanceler Willy Brandt da Alemanha - desaparecerem repentinamente, dando lugar a sucessores cujas posições sobre a aproximação entre o Leste e o Oeste pareciam bastante diferentes, e por isso suspeitas. E as negociações com os Estados Unidos começaram a enredar-se na questão do prolongamento do acordo sobre a limitação de armas estratégicas (SALT), logo no momento em que o principal defensor do desanuviamento nos Estados Unidos, o Presidente Nixon, ficou politicamente paralisado devido ao caso Watergate.
Mas o chefe do Partido Comunista da União Soviética, Leonid Brezhnev, não ligou aos murmúrios, manteve-se na rota determinada e continuou a apoiar a política de desanuviamento, em que tinha apostado a sua carreira política. Mesmo irritado com a aparente diminuição da influência soviética no Médio Oriente, devido à diplomacia incisiva dos Estados Unidos e verdadeiramente preocupado com a capacidade de sobrevivência política do seu interlocutor, o governante soviético recebeu Nixon com pompa, quando este visitou Moscovo em finais de Junho, e mostrou-se muito optimista em público. A reunião produziu rapidamente pequenos acordos sobre cooperação no urbanismo, energia e investigação médica. Outros acordos se seguiram sem grandes consequências práticas, como a limitação dos ensaios nucleares no interior da crosta terrestre e do desenvolvimento de mísseis anti-balistícos. Mas o que a discussão sobre o SALT mostrou, foi que o havia uma grande separação de pontos de vista, entre a URSS e os EUA, sobre os objectivos finais das conversações. Os EUA não queriam que a sua força fosse ultrapassada no futuro pelos soviéticos, o que poria em causa o equilíbrio do terror. Os soviéticos, conhecedores da sua inferioridade tecnológica, queriam aproximar-se claramente dos valores dos americanos. Quando a cimeira acabou, o secretário de estado americano, Henry Kissinger, afirmou angustiantemente, tentando convencer os cépticos dos dois lados, que o que punha em causa o equilíbrio não eram as supostas disparidades no número de mísseis, mas a permanente ameaça de desenvolvimento e disponibilização de novos armamentos cada vez mais destrutivos: «O que é, de facto, a superioridade estratégica?», perguntou. «Qual é a importância dessa superioridade, do ponto de vista político, militar, internacional, tendo em conta os enormes números já existentes? O que é que se pode fazer de concreto, com essa superioridade?» Durante quatro longos meses a pergunta não teve resposta. Enquanto o caso Watergate se concluía, o Kremlin decidiu estudar novamente as suas opções diplomáticas. Mais uma vez, Brezhnev e os defensores da conciliação ganharam o debate e tiveram autorização para realizar mais uma ronda de conversações. Em Outubro, Kissinger regressou então para a nova ronda, que se apresentava mais promissora do que a anterior, sobre a limitação das armas estratégicas. Antes, o novo chanceler alemão visitou Moscovo e, após a promessa da aprovação de novos empréstimos conseguiu concessões dos soviéticos a propósito das relações do governo de Bona com Berlim Ocidental. Posteriormente, para apoiar as novas iniciativas para a paz, Brezhnev voou para Vladivostock, no extremo oriental da URSS, para se encontrar com Gerald Ford. A reunião tornou-se numa sessão de negociações sobre o tratado SALT, que produziu um inesperado acordo de princípio sobre a equiparação no número (elevado) de mísseis de cada superpotência, com vigência até 1985.
Mas, de tempos a tempos, o preço desta transformação pareceu muito alto, aos colegas de Brezhnev no governo soviético. E para os ideólogos mais puristas, a pior consequência dos acordos era o relaxamento da disciplina interna, imposto pela necessidade de dar resposta às preocupações do Mundo Ocidental. No começo do ano, a prisão e subsequente expulsão do Prémio Nobel da Literatura Aleksandr Solzhenitsyn, o mais conhecido dos dissidentes russos, revelou de novo que uma única voz crítica, mesmo que atentamente ouvida, era uma voz crítica a mais. Mas a decisão de exilar Solzhenitsyn em vez de o prender - e, mais tarde, de dar vistos de saída a outros dissidentes bem conhecidos - teve o efeito de, pelo menos em parte, desarmar o Ocidente, revoltado pela falta de respeito dos soviéticos pelos direitos humanos. Ao mesmo tempo, negando a existência de qualquer «entendimento» com os E.U.A. para não dificultar a vida aos judeus que quisessem emigra, em troca de concessões comerciais, a emigração judaica manteve-se em níveis elevados. Moscovo mostrou também uma nova sensibilidade no tratamento dos artistas não-conformistas.
Mas, pelo menos em Moscovo, os dissidentes foram conseguindo informar do desenvolvimento da repressão. Mas quanto mais longe da capital, mais a dureza do regime se fazia sentir, e menos informação havia. Nos países da Europa oriental, o Kremlin tornou claro que a melhoria do relacionamento com o Ocidente não implicaria um relaxamento das ligações, que mantinham esses países na dependência da URSS. Por isso mesmo, Leonid Brezhnev foi à Polónia e à Alemanha oriental para confirmar se a mensagem tinha sido bem compreendida, ao mesmo tempo que os responsáveis pelo planeamento económico soviético defenderam mais uma vez - mas novamente sem sucesso - uma maior integração económica dos países da Europa oriental com a URSS. O que acabou por ficar bem claro, em 1974, foi o domínio de Brezhnev sobre o aparelho político soviético, controlo que se notava muito na postura, segura e radiante, do secretário-geral do Partido Comunista da URSS. «Como já não estamos tão inseguros como antigamente», explicava um jornalista soviético, «e como o Ocidente nos reconhece agora como parceiros, podemos acabar as negociações sobre a corrida aos armamentos. Podemos também pensar em trazer estrangeiros para nos ajudarem a desenvolver os nossos recursos naturais. E conseguiremos responder aos nossos críticos internos.» A modéstia nunca foi um traço característico da personalidade soviética. Mas o ano acabou deixando os soviéticos com um sentimento de que se tinha progredido na continuidade. O processo de desanuviamento tinha ganho um novo impulso, e os novos dirigentes políticos, no poder desde a demissão forçada de Nikita Kruschchev, mostravam estar seguros no poder e controlando a situação, o que nas sociedades autoritárias, cria uma natural sensação de conforto. Os problemas económicos tinham atingido, muitas vezes gravemente, o resto do Mundo. Mas na União Soviética a estabilidade manteve-se e deu dividendos. A sociedade controlada manteve-se contente.
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